A
(re)significação da luta revolucionária a partir da compreensão da profunda
depressão que se bateu após os fatos relatados no artigo anterior é tarefa
nossa nesse artigo, mas cabe destacar alguns fatores que servirão para entender
esse processo, ainda na primeira metade da década de 80 do século passado a Perestroika promovida por Gorbachev geraria em um primeiro momento o processo de
abertura, a grande questão dessa abertura era a aproximação com o ocidente,
primeiro em acordos comerciais e depois na total abertura para troca de
mercadorias, preparando assim a ex-URSS para o mercado global.
Não
se trata de questionar a politica econômica adotada por Gorbachev, muito menos em
fazer uma crítica a economia política utilizada, por que mesmo Lenin na primeira
NEP (Nova Política Econômica) já trazia em seu cerne uma relação de mercados
com países em processo de reconstrução após a primeira guerra mundial, mas o
controle do câmbio, das transferências de capitais e do controle das instituições
bancárias, fazia com que a política econômica fosse direcionada aos interesses
do Estado Operário, na sua construção após longos períodos de guerra e da
própria Revolução vitoriosa.
Na Perestroika Estado
Operário já estava debilitado pela onerosa política de sustentação econômica do
bloco soviético e dos países que compunham o Pacto de Varsóvia, esse processo
já vinha acumulando um débito nas contas correntes da ex-URSS e que levou a uma
falência de inúmeras fabricas, a política de planejamento quinquenal no começo
dos anos 80 indicava um período de recessão longo, o pacto de não agressão
estimulado pela guerra fria não poderia ser sustentado pela pressão de forças
politicas internas.
Nesse momento a política
interna vivia um momento de ebulição, um processo lento e gradual de
insatisfação tomava conta não só da população, mas de uma parte da burocracia
que descontente com a perda de sua qualidade de vida, acreditava que uma
abertura manteria certo prestígio e com isso seu poder se manteria inalterado.
Ledo engano, deve-se compreender que a burocracia se assemelhava a um verme,
que sugava do aparato estatal sua sobrevivência, logo e consequentemente, não
poderia existir sem ele, com o processo de “abertura” proposto a volta ao
capitalismo enterrou-a definitivamente.
Obviamente que esse debate
ainda está em aberto, para alguns o processo de desestruturação fez com que
agentes abastados da burocracia virassem os novos ricos, de certa forma o
retorno a econômica de mercado em um país do tamanho da URSS significava um
processo esquizofrênico pelo espólio do Estado Operário, temos hoje vários
relatos desse processo, mas o que combina mais com a devastação econômica
provocada pela destruição do Estado Operário foi e é aproveitamento dos setores
que mantiveram-se próximo ao poder com acúmulos de riquezas e seu excedente foi
o responsável em promover o desmonte do estado, constituindo máfias que
combinadas com o poder político mantiveram sob controle boa parte dos negócios
na ex-URSS, criando uma casta que permanece ainda hoje no poder.
O que nos interessa é
perceber que o tiro saiu pela culatra, a burocracia não imaginava que com o fim
do estado operário, seria também seu fim, pois a base econômica de sua
sustentação era o excedente produzido pelo estado, que mantinha um nível
diferenciado na qualidade de vida dos burocratas. Certamente que esse processo
merece maior atenção e estudo, o que estamos relatando é apenas uma hipótese,
construída a partir das análises do método marxista.
Contudo esse processo deve
dois efeitos imediatos e contraditórios, o primeiro foi o fim dos privilégios
da burocracia e o segundo foi a interpretação equivocada de vários setores da
vanguarda no mundo, pois indicava que, a queda da burocracia era a chegada a
hora da revolução política indicada por Trotsky que corrigiria os rumos da
revolução desvirtuada de 1917.
Ainda houve uma tentativa de
golpe por parte de setores da burocracia mais ligada ao PCUS, mas que foi
rapidamente sufocada, devido a um elemento fundamental para esse tipo de ação,
não existia um partido organizado na base da sociedade que pudesse dar respaldo
para o golpe dentro do golpe, até porque a massa da população estava cansada
dos privilégios da burocracia, e ansiava por melhores condições de
subsistência, a luta política por democracia definitivamente não era, conforme
a impressa ocidental sustentava, a prioridade da população que desde o final da
década de 70 passava por várias dificuldades de abastecimento, de itens básico
de alimentação a vestuário.
Contudo, foi o estopim para
verdadeiros pseudos visionários, que acreditavam que com a derrota da pequena
parcela da burocracia, colocavam as massas soviéticas no caminho do “bem”, da
revolução política de forma natural e que era apenas esperar para que os seus
resultados varressem o restante do mundo. Farsantes e insensatos, o processo de
contra revolução iniciado não teria fim até o restabelecimento total do
capitalismo na ex-URSS e no restante do leste europeu.
A primeira atitude desse
bloco dito de esquerda foi promover manifestações em todo o mundo para apoiar a
volta ao capitalismo no bloco socialista, a cada nova queda e derrota do
proletariado mundial soltavam fogos e gritavam junto com imprensa global a
derrocada do “stalinismo”, mas mal eles percebiam que a transformação dos
antigos burocratas em novos ricos passava pelo apoio que eles indicavam em seus
documentos, dando todo um aparato político e ideológico que justificassem seus
atos criminosos.
Esse processo de retrocesso
na luta política do proletariado mundial, a partir desses dois aspectos, a
transformação da burocracia em novos ricos e da cegueira dois setores de
vanguarda ditos de esquerda, provocaram um perseguição aos conceitos da
revolução que só pode ser comparado a perseguição as bruxas na baixa idade
média pela Igreja católica, livros foram queimados, intelectuais foram
obrigados a se retratarem publicamente e dizer em alto e bom som que
abandonariam as teses marxistas e Marx foi banido das academias.
De uma hora para outra todas
as teses do materialismo histórico, a práxis revolucionária e os próprios
conceitos de igualdade, fraternidade e liberdade virariam antônimos de
Socialismo!
No meio de tudo isso temos
milhares de militantes em todo o mundo, que perplexos e confusos com todo esse
turbilhão de acontecimentos históricos em tão pouco tempo, em menos de 10 anos
toda a história da humanidade virava uma parte de suas história, não apenas uma
página, mas toda uma teoria de evolução humana ficaria rebaixada a fracassada,
uma teoria que levou mais de 300 anos para ser moldada pelos setores oprimidos
e explorados da sociedade.
Nada mais cômodo para os
banqueiros de Wall Street e seu consenso, pois dessa maneira deixaria de
investir nos contra da Nicarágua, na oposição cubana em Miami e assim por
diante, pois derrotaria o cerne de seus problemas, o próprio pensamento
marxista!
A pergunta que fica é como
os ditos marxistas ficaram nesse processo? Bem, houve vários caminhos, entre
eles a troca de nomes de partidos e de suas teses, como o PCI, o PCB e assim
por diante, outros resolveram após o clímax da restauração capitalista ficar
brandindo com os dentes a sorte da classe operária, como é o caso do PSTU no
Brasil, e outros simplesmente criados a partir da própria crítica ao bloco
soviético resolveram construir uma opção pelo seu próprio caminho, como foi o
caso do PT e seu Socialismo Petista, ou mesmo Chaves na Venezuela com sua
revolução bolivariana, mas no meio disso tudo ficou ainda vários militantes que
descontentes com todos esses rumos resolveram se silenciar e esperar o tempo
passar.
São para esse que escrevo e
para uma nova geração que não teve a oportunidade de viver aquele período da
história, mas que sente em sua amalgama a necessidade de ouvir o “outro lado”,
mas em ambos os casos temos que reconstruir a utopia socialista em seu estado
mais simbólico e anarquista, temos que aprender novamente a discordar, uma
rebeldia que hoje não existe mais, um passo compreendido entre uma estrutura
formal de pensamento e o inexistente, algo completamente inovador e com uma
linguagem perplexa e atual, que permita construir pontes entre as forças dos
nossos argumentos e a consciência latente por mudanças.
Precisamos conversar
sobre o que aconteceu e como aconteceu, precisamos decifrar os diferentes
códigos criados pelo capitalismo para reter toda uma geração em estereótipos
imbecis e medíocres, fazer esse percurso em nossos próprios saberes é condição sine qua num, para dar vazão a todas as
nossas dúvidas e fraquezas, admitir que não sabemos exatamente para onde termos
que ir não é necessariamente uma falha, mas uma condição social e psicológica,
de modo que uma não se resolverá sem a outra, no momento estamos mais
preocupados em resolver nosso problemas mais imediatos, seja na política ou na
vida pessoal, temos que compreender que as soluções só podem ser produtos de
uma elaboração coletiva motivada pela crença na construção de um mundo onde
nossas críticas ainda se encontram.