quarta-feira, 22 de julho de 2015

O dia que parei de acreditar em Deus!

Era um dia de sol, naquela sexta cheguei logo cedo da escola, afinal era sexta, e finalizamos as aula com uma partida de futebol, no campinho em frente a Escola Municipal Placidia Cardoso, no Jurunas, nessa época morávamos na Timbiras, não sei ao certo se com Breves ou outra, mas era ali nas proximidades, lembro bem dessa infância no Jurunas, meu bairro, o Rancho Não Posso Me Amofina, a pesca de peixes nas valas, sim era possível pegar peixes nas valas no Jurunas na década de 70 do século passado, mas enfim, cheguei em casa cheio de expectativas por conta do final de semana na rua de casa.

Nós construímos nossos próprios deuses!

Ao abrir a porta da cozinha, sempre entrava por trás, a casa era enorme, e a porta da sala sempre estava trancada, que era para obrigar os moleques da casa (no caso só era eu!) entrar pela cozinha, pois a casa estava sempre bem encerrada e refletia a nossa imagem, era toda de madeira, mas tinha duas salas grandes, três quartos, e uma cozinha maior que toda a sala, o que me deixava mais feliz era o fato do banheiro ser dentro de casa, não muito comum para época, principalmente em nosso bairro. Mas como eu dizia, entrei pelos fundos, e dei logo de cara com minha falecida avó materna, a Dona Maria.

De cara já imaginei que ela vinha passar o fim de semana com a gente, não sei se ela ia passar fim de semana com algum outro filho, desconfio muito dela, mesmo ela já morta, acredito que ela fazia isso apenas para me atazanar a vida, ela á época simplesmente não tinha razão de viver, apenas um! Transformar minha vida em um inferno, não me lembro dela fazer isso com outros netos, nem mesmo com meus irmãos mais velhos, mas ela passava o dia me perseguindo, me trancando em casa, e por ai vai.

Mas o pior era a noite, lembro que apesar de ser traquino e muito levado, eu era simplesmente o menino mais medroso do mundo, e meus irmão sempre davam um jeito de me assustar mais e mais, e aquela época então, nem se fale, tinha os chupa-chupa andando por Colares e o Jurunas ali tão perto, ouvíamos história que eles pela frestas das casas de madeiras chupavam nosso sangue, e segue.

Enfim, não sei por que cargas d água a minha avó tinha que dormir em minha cama, era sempre a mesma ladainha, e lá vai o Marcelo sozinho ir dormir no escuro na sala grande, e as escápulas ficavam a menos de dois metros da porta da frente, que eu nunca cruzava, e o chão brilhava a noite, e as vezes mesmo no escuro eu via meu reflexo no chão, e quando chovia, nossa! Era um Deus nos acuda, chorava a noite inteira, e ninguém nem ai pra mim! Depois de um tempo eu cansava e dormia sossegado até o raiar do dia, algumas vezes cheguei mesmo a passar a noite toda com medo e sem dormir, mas era raro, o que era mais comum era eu acorda cedo e esperar o dia amanhecer para sair daquele circo de terror que era dormir na sala.

Pois isso não gostava das visitas nos fins de semana da minha avó, até que um belo dia ela tava lá e eu sabia que a sala seria meu destino, nesse dia eu tentei argumentar, falei da necessidade de divisão dessa tarefa, por que toda vez seria eu que iria para sala, e percebi que minha avó com o canto dos olhos sorria vendo meu desespero, não a culpo deve ter sido mesmo divertido aqueles dias para ela, hoje eu a compreendo mais e estive perto dela nos últimos momentos de vida dela, mas aquela primeira noite foi decisivo para mim em todos os sentidos.

Nessa noite, fui para rede depois que meu pai brigou comigo, já era tarde e eu ainda estava com a TV ligada, na verdade dormir com ela ligada, tentando prolongar minha ida para rede, mas cabisbaixo fui para rede na sala, minha sala de tortura, no meu mais completo e repleto tormento, segui a rotina fui rezar e continue a rezar a noite toda, as vezes parava e chorava, e depois voltava a rezar, e depois voltava a chorar e assim foi a noite toda, no dia seguinte, foi normal brinquei o dia inteiro, e lá estava eu de novo na frente da TV dormindo, bem nessa altura do campeonato vocês já sabem como foi minha noite.

Ah, mas aquela noite foi diferente, segui resignado para meus martírios, como se caminhasse como um cordeiro para o abate, Hannah Arendt, descreveu situação semelhante ao escrever para o New York Time sobre o julgamento de Eichmann em Jerusalém, onde ela descrevia que os judeus estavam tão derrotados que caminhavam como carneiro para o matadouro, enfim, assim eu estava, mas naquela noite eu falei serio com Deus disse que não aceitaria outra noite daquelas sem resposta, e que o silêncio dele significaria sua morte, e que naquele momento eu abriria mão da vida de medo e receio que eu levava até aquele momento, e fiquei esperando ele, mas quando veio o primeiro bocejo, chega estava esgotado o prazo final para ele falar e depois disso renasci.

O menino cheio de medos ressurgiu como o homem sem medo, motivado pela luta social, uma luta contra todas as injustiças do mundo, e pensada a partir de uma compreensão materialista histórica e dialética, o marxismo foi apenas um passo necessário a seguir, mas isso é outra história.

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