terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A Revolução no Divã - Parte II




A (re)significação da luta revolucionária a partir da compreensão da profunda depressão que se bateu após os fatos relatados no artigo anterior é tarefa nossa nesse artigo, mas cabe destacar alguns fatores que servirão para entender esse processo, ainda na primeira metade da década de 80 do século passado a Perestroika promovida por Gorbachev geraria em um primeiro momento o processo de abertura, a grande questão dessa abertura era a aproximação com o ocidente, primeiro em acordos comerciais e depois na total abertura para troca de mercadorias, preparando assim a ex-URSS para o mercado global.

Não se trata de questionar a politica econômica adotada por Gorbachev, muito menos em fazer uma crítica a economia política utilizada, por que mesmo Lenin na primeira NEP (Nova Política Econômica) já trazia em seu cerne uma relação de mercados com países em processo de reconstrução após a primeira guerra mundial, mas o controle do câmbio, das transferências de capitais e do controle das instituições bancárias, fazia com que a política econômica fosse direcionada aos interesses do Estado Operário, na sua construção após longos períodos de guerra e da própria Revolução vitoriosa.

Na Perestroika Estado Operário já estava debilitado pela onerosa política de sustentação econômica do bloco soviético e dos países que compunham o Pacto de Varsóvia, esse processo já vinha acumulando um débito nas contas correntes da ex-URSS e que levou a uma falência de inúmeras fabricas, a política de planejamento quinquenal no começo dos anos 80 indicava um período de recessão longo, o pacto de não agressão estimulado pela guerra fria não poderia ser sustentado pela pressão de forças politicas internas.

Nesse momento a política interna vivia um momento de ebulição, um processo lento e gradual de insatisfação tomava conta não só da população, mas de uma parte da burocracia que descontente com a perda de sua qualidade de vida, acreditava que uma abertura manteria certo prestígio e com isso seu poder se manteria inalterado. Ledo engano, deve-se compreender que a burocracia se assemelhava a um verme, que sugava do aparato estatal sua sobrevivência, logo e consequentemente, não poderia existir sem ele, com o processo de “abertura” proposto a volta ao capitalismo enterrou-a definitivamente.

Obviamente que esse debate ainda está em aberto, para alguns o processo de desestruturação fez com que agentes abastados da burocracia virassem os novos ricos, de certa forma o retorno a econômica de mercado em um país do tamanho da URSS significava um processo esquizofrênico pelo espólio do Estado Operário, temos hoje vários relatos desse processo, mas o que combina mais com a devastação econômica provocada pela destruição do Estado Operário foi e é aproveitamento dos setores que mantiveram-se próximo ao poder com acúmulos de riquezas e seu excedente foi o responsável em promover o desmonte do estado, constituindo máfias que combinadas com o poder político mantiveram sob controle boa parte dos negócios na ex-URSS, criando uma casta que permanece ainda hoje no poder.

O que nos interessa é perceber que o tiro saiu pela culatra, a burocracia não imaginava que com o fim do estado operário, seria também seu fim, pois a base econômica de sua sustentação era o excedente produzido pelo estado, que mantinha um nível diferenciado na qualidade de vida dos burocratas. Certamente que esse processo merece maior atenção e estudo, o que estamos relatando é apenas uma hipótese, construída a partir das análises do método marxista.

Contudo esse processo deve dois efeitos imediatos e contraditórios, o primeiro foi o fim dos privilégios da burocracia e o segundo foi a interpretação equivocada de vários setores da vanguarda no mundo, pois indicava que, a queda da burocracia era a chegada a hora da revolução política indicada por Trotsky que corrigiria os rumos da revolução desvirtuada de 1917.

Ainda houve uma tentativa de golpe por parte de setores da burocracia mais ligada ao PCUS, mas que foi rapidamente sufocada, devido a um elemento fundamental para esse tipo de ação, não existia um partido organizado na base da sociedade que pudesse dar respaldo para o golpe dentro do golpe, até porque a massa da população estava cansada dos privilégios da burocracia, e ansiava por melhores condições de subsistência, a luta política por democracia definitivamente não era, conforme a impressa ocidental sustentava, a prioridade da população que desde o final da década de 70 passava por várias dificuldades de abastecimento, de itens básico de alimentação a vestuário.

Contudo, foi o estopim para verdadeiros pseudos visionários, que acreditavam que com a derrota da pequena parcela da burocracia, colocavam as massas soviéticas no caminho do “bem”, da revolução política de forma natural e que era apenas esperar para que os seus resultados varressem o restante do mundo. Farsantes e insensatos, o processo de contra revolução iniciado não teria fim até o restabelecimento total do capitalismo na ex-URSS e no restante do leste europeu.

A primeira atitude desse bloco dito de esquerda foi promover manifestações em todo o mundo para apoiar a volta ao capitalismo no bloco socialista, a cada nova queda e derrota do proletariado mundial soltavam fogos e gritavam junto com imprensa global a derrocada do “stalinismo”, mas mal eles percebiam que a transformação dos antigos burocratas em novos ricos passava pelo apoio que eles indicavam em seus documentos, dando todo um aparato político e ideológico que justificassem seus atos criminosos.

Esse processo de retrocesso na luta política do proletariado mundial, a partir desses dois aspectos, a transformação da burocracia em novos ricos e da cegueira dois setores de vanguarda ditos de esquerda, provocaram um perseguição aos conceitos da revolução que só pode ser comparado a perseguição as bruxas na baixa idade média pela Igreja católica, livros foram queimados, intelectuais foram obrigados a se retratarem publicamente e dizer em alto e bom som que abandonariam as teses marxistas e Marx foi banido das academias.

De uma hora para outra todas as teses do materialismo histórico, a práxis revolucionária e os próprios conceitos de igualdade, fraternidade e liberdade virariam antônimos de Socialismo!

No meio de tudo isso temos milhares de militantes em todo o mundo, que perplexos e confusos com todo esse turbilhão de acontecimentos históricos em tão pouco tempo, em menos de 10 anos toda a história da humanidade virava uma parte de suas história, não apenas uma página, mas toda uma teoria de evolução humana ficaria rebaixada a fracassada, uma teoria que levou mais de 300 anos para ser moldada pelos setores oprimidos e explorados da sociedade.

Nada mais cômodo para os banqueiros de Wall Street e seu consenso, pois dessa maneira deixaria de investir nos contra da Nicarágua, na oposição cubana em Miami e assim por diante, pois derrotaria o cerne de seus problemas, o próprio pensamento marxista!

A pergunta que fica é como os ditos marxistas ficaram nesse processo? Bem, houve vários caminhos, entre eles a troca de nomes de partidos e de suas teses, como o PCI, o PCB e assim por diante, outros resolveram após o clímax da restauração capitalista ficar brandindo com os dentes a sorte da classe operária, como é o caso do PSTU no Brasil, e outros simplesmente criados a partir da própria crítica ao bloco soviético resolveram construir uma opção pelo seu próprio caminho, como foi o caso do PT e seu Socialismo Petista, ou mesmo Chaves na Venezuela com sua revolução bolivariana, mas no meio disso tudo ficou ainda vários militantes que descontentes com todos esses rumos resolveram se silenciar e esperar o tempo passar.

São para esse que escrevo e para uma nova geração que não teve a oportunidade de viver aquele período da história, mas que sente em sua amalgama a necessidade de ouvir o “outro lado”, mas em ambos os casos temos que reconstruir a utopia socialista em seu estado mais simbólico e anarquista, temos que aprender novamente a discordar, uma rebeldia que hoje não existe mais, um passo compreendido entre uma estrutura formal de pensamento e o inexistente, algo completamente inovador e com uma linguagem perplexa e atual, que permita construir pontes entre as forças dos nossos argumentos e a consciência latente por mudanças.


Precisamos conversar sobre o que aconteceu e como aconteceu, precisamos decifrar os diferentes códigos criados pelo capitalismo para reter toda uma geração em estereótipos imbecis e medíocres, fazer esse percurso em nossos próprios saberes é condição sine qua num, para dar vazão a todas as nossas dúvidas e fraquezas, admitir que não sabemos exatamente para onde termos que ir não é necessariamente uma falha, mas uma condição social e psicológica, de modo que uma não se resolverá sem a outra, no momento estamos mais preocupados em resolver nosso problemas mais imediatos, seja na política ou na vida pessoal, temos que compreender que as soluções só podem ser produtos de uma elaboração coletiva motivada pela crença na construção de um mundo onde nossas críticas ainda se encontram.

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