domingo, 3 de fevereiro de 2013

A morte de uma estudante e a descoberta da luta pelo Socialismo




A morte de uma estudante e a descoberta da luta pelo Socialismo

A busca pela felicidade é uma constante humana, os sonhos de uma vida melhor, sempre envoltos na perspectiva de melhora. Filosoficamente falando é uma liberdade, mas que objetivamente ainda é uma utopia. Desculpe a franqueza, mas é o que acho.

Durante minha juventude tive a oportunidade de fazer parte do Movimento Estudantil, que tempo bom, à época a juventude ainda era assombrada pela falta de democracia, como por exemplo, obrigada a usar uniforme na escola, enfrentando fila para ter acesso ao prédio, do Colégio Lauro Sodré, inclusive para subir as escadas, aos olhos vigilantes da Marina, que nunca tirava o lenço da cabeça, que em comentários diziam que ela era careca, mas lendas a parte o processo de lutas democráticas inspiravam minha geração, que nasceu em plena ditadura militar.

A lei do Grêmio Estudantil foi promulgada em 1985, no ano seguinte estava fundando a Associação de Aluno e Ex-Alunos do Colégio, enfim, o Lauro Sodré era um tradicional colégio do Estado, no final do século XIX foi considerado um dos três melhores do mundo, mas naquele ano de 1986 a escola estava caindo aos pedaços, um prédio que exigia uma manutenção permanente, em compensação tínhamos professores que valiam a pena, como o Haroldo de História, que era da antiga Convergência Socialista, o Geogenor e o Ofir de Matemática, o Augusto de Ciências que militava no Partidão e para não fugir a regra tinha a reação em pessoa, o cão desencarnado do inferno (figura de linguagem), a Vera Lúcia de Geografia, essa merece um capítulo a parte.

Contudo foi em 1988 que começamos a debater mais intensamente o Grêmio Estudantil, lembro que no turno da tarde estudava os alunos da sétima e da oitava série do primeiro grau, os alunos da quinta e da sexta no turno da manhã e o segundo grau à noite. Logo após as férias de fim de ano voltamos para a escola, na época a Secretaria de Educação era a Terezinha Gueiros, então primeira dama do Estado, depois de algumas prorrogações a direção da escola tinha decidido sobre um limite de dada para entrar na escola com o uniforme, toda a luta do Grêmio começou com essa demanda.

Lembro que já estava na escola a três anos, desde a quinta série, e na oitava já estávamos na reta final, e conhecíamos todo mundo, o Lauro Sodré tinha um vida acadêmica agitada, a equipe de vôlei, de futebol, de handebol, tinha o teatro, a banda musical, o clima da escola com vários locais de encontros e desencontro, em um período de descobertas, os porões eram sempre visitados em suas diferentes entradas, sem contar as idas ao Bosque, mas isso é tema para outra história.

Enfim, vários personagens que comporiam o Grêmio já eram figuras carimbadas, o César e eu de certa forma no turno da tarde tínhamos maior inserção, o Cesar já pela sua capacidade de leitura e oratória sem iguais e eu por ser da equipe de Vôlei, que me dava certa popularidade, tinha ainda a Andréa, minha irmã que sempre foi uma figura presente e marcante na luta do dia-a-dia do colégio, a Adriana com uma liderança respeitada, a Elis, a Luciana, a Lena Claudia, o Dinorlan, o Miguel, tanta gente, mas basicamente esse era o núcleo e boa parte dele morava no Conjunto Maguari.

Estou lembrando isso por que hoje dia 03 de fevereiro de 2013, uma companheira completaria 40 anos, a Giselle Miranda, que foi atropelada em uma manhã de setembro de 1988, não sei se mais alguém lembra a data, mas não podia deixa passar em branco, a Giselle não participava diretamente do Grêmio, mas em vários momentos ela sempre foi a primeira a sair para as passeatas em sua sala, lembro dela como um menina que sempre estava curiosa, queria conhecer a vida em sua plenitude, confesso que sempre a olhava com curiosidade, mesmo naquele período eu já olhava as pessoas enquanto perspectiva.

Como eu praticamente vivia na escola, tinha treino de vôlei toda manhã, e as atividades do grêmio, entrava na escola as 7 da manhã e saia a noite, esse período conheci o Reginaldo, o Eliezer, o Newton e o Afonso, que completariam a direção do Grêmio, lembro que o Newton Pereira foi eleito na reunião da chapa para ser nosso candidato a Presidente do Grêmio, que depois foi batizado de Giselle Miranda.

A morte da Giselle foi um pouco depois da eleição do Grêmio, o nome da nossa chapa era “Em Prol da Juventude”, lembro que fui contrário, mas a Adriana soube defender e teve logo o apoio do pessoal da noite, mas enfim, estávamos a pouco tempo empossados, e a Giselle veio a falecer naquela manhã de setembro, e eu estava na escola, chegamos a socorrer, mas ela não resistiu ao impacto do atropelamento, a notícia de sua morte só chegou na manhã seguinte.

Lembro-me de ter chegado na escola por volta das oito da manhã, e assim que pisei na calcada central vi toda a movimentação, os alunos por iniciativa própria não tinham entrado nas salas, ficaram na frente da escola, prática comum, pois quando tínhamos alguma manifestação para ir nos concentrávamos na frente do prédio para sairmos em caminhada. Quando vi aquela multidão já sabia o que tinha acontecido, confesso que fiquei receoso em continuar minha caminhada em direção a entrada da escola.

Da parada do ônibus até a escadaria em frente a escola são pouco mais de 300 metros, vi vários rostos conhecidos me olhando, algumas pessoas se aproximaram, lembro de reconhecer o rosto do Dino, assustado ele chegou e me disse “o que vamos fazer?”, fiquei sem palavras e continue a caminhar, fui direto para a sala da direção da escola, que eu frequentava costumeiramente, antes entretanto de chegar na sala para falar com a diretora, fui abordado pela professora Ana, de português, falando que essa era a hora do Grêmio tomar uma atitude.

Não sabia exatamente o que deveria ser feito e como ser feito, mas a primeira coisa ha saber era o que estava acontecendo, se a espontaneidade dos alunos de não entrarem era verdadeiro ou uma ordem da direção da escola? Quando cheguei à sala da Diretora ela veio logo perguntando quem eu era para não deixar os alunos entrarem na escola, fiquei meio perplexo mais fiquei calado, e percebi que em sua sala estava a mãe da Giselle, reconheci ela por que tinha participado de uma reunião entre os pais e a direção da escola algumas semanas antes e ela estava lá, ela comentou que ainda não tinha local para realizar o velório, logo veio a ideia de realizar no auditório do Colégio, assim que o corpo fosse liberado, a assim ficou combinado entre a direção, o Grêmio e os familiares.

Depois fui para frente da escola, e juntei as centenas de estudantes que se encontravam na frente da escola e comecei a falar da reunião que decidira realizar o velório, e sugerir que todo mundo fosse para suas casas e tarde voltasse para a chegada do corpo, quando deu umas 11h fui embora para casa para voltar o mais rápido possível.

Os acontecimentos da tarde daquele fatídico dia estão vivos na minha memória, como se fossem hoje, foi na verdade meu batismo de fogo na luta, mas é outra história, estou a anos trabalhando na pesquisa e colhendo o material, ainda falta fazer várias entrevistas, mas é um desafio que encaro com maior prazer, contar nosso lado da história.

Lembrar da Giselle em seu aniversário, depois de tanto tempo renova um significado que a luta por mudanças sociais ainda são necessárias, que ainda temos muito que caminhar, sei que se ela viva estivesse, estaria ainda me olhando e dizendo que seria a primeira a levantar da cadeira para a passeata, que essa data seja lembrada com tristeza, mas também com o desafio de continuar a luta por uma sociedade socialista.

0 comentários: