quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Belém - breve traçado de uma evolução histórica

Bem segue um artigo enviado pelo meu companheiro Carlos Sérgio Silva da Silva, o Carlão como era conhecido pela militância foi um dos maiores militantes da antiga Convergência Socialista, foi membro do Diretório Municipal do PT, e diretor do Sindicato dos Correios, hoje mora em Brasília.

Belém -  breve traçado de uma evolução histórica



O futuro não é produto do mero acaso. Ele é consequência de ações pretéritas. Sua realização será fabrico e produto da ação planejada, da inovação e do desejo da sociedade para criar um horizonte de vida e bem estar que seja acessível a todos e que permita sob o pólio da fraternidade a convivência humana e a integração das gentes que vicejem num mesmo território, sem espoliá-lo. A Amazônia e o Para no seu interior deve estar de olhos abertos para receber o futuro, isto inclui redimensionar sua estrutura territorial.
O Brasil foi como essas princesas adormecidas por cem anos nos seus castelos encantados, pelo condão mágico de alguma fada, mas que conservam o talismã da juventude, como Marion de Lorme o da virgindade. O mundo antigo esboroou-se sob os pés dos viajantes do progresso, o crepuscular pálido da aurora da civilização tornou-se o irradiar do sol dos trópicos, o raio luminoso da razão rasgou o negrume das nuvens dos preconceitos. Os séculos passaram... Passaram, muitas nações romperam suas roupas nos sarçais da experiência. E  quando todos os solos já tinham sido o estádio ensangüentado dos paladinos mortos na liça, quando nos outros países cada braça de terra é um túmulo, cada flor medra sobre um cadáver e o pó que se pisa é talvez os restos de algum romeiro que se abismou no nada, então o Brasil, sacudindo os lençóis de neve dos Andes, que lhe escondiam a fronte, despertou das trevas. (CASTRO ALVES )
O NATURALISTA WALLACE comparou a bucólica Belém, e o seu modo de vida cabocla, ainda não regida em seu cotidiano pelos valores da sociedade de consumo, com as Cidades inglesas nas quais a miséria das massas e o individualismo exacerbado do puritanismo numa nascente sociedade industrial, produzia a violência.
 “Nada me impressionou tanto aqui, como a calma e o espírito ordeiro da cidade e dos seus arredores. Não se vê ninguém carregando facas ou outras armas. Há menos conflitos, brigas ou mesmo casos de embriaguez, nas ruas tanto de dia como de noite, do que em qualquer cidade da Inglaterra de igual população.  E, quando nos lembramos de que a população paraense é constituída, na sua maior parte, de gente ineducada, que se compõe de escravos, de índios, de brasileiros, de portugueses e de estrangeiros, e que o álcool é vendido em todos os cantos, a dois pences o quartilho, só isso diz tudo do bom natural e das disposições pacíficas da província.” (WALLACE p. 84).
Hoje Belém já experimenta as violentas dores do parto da gestação de uma metrópole consumista, imersa no Caos urbano de violência produzida pelo individualismo puritano, a vida cabloca já não tem espaços aqui, nem mais o Açaí restou-nos como complemento das refeições.
A gênese das cidades na Amazônia está relacionada ao contexto da defesa territorial pela ação geopolítica do Estado português. A própria fundação da cidade de Belém está diretamente relacionada a esse processo de conquista do território amazônico. Tratava-se de assegurar a defesa do território contra possíveis invasões estrangeiras, além de vislumbrar a possibilidade de seu controle e de sua valorização econômica.
Para Corrêa (1987), considerando o papel que Belém passaria a desempenhar na dinâmica regional, sua localização deveria ser de caráter defensivo, o que justifica, em grande parte, seu sítio inicial em área plana, situada entre 8m e 10m acima da Baía de Guajará. Segundo esse autor, Belém se originou em um (…) promotório cujos limites escarpados descem sobre o rio Guamá, a baía de Guajará e uma pequena enseada. Separando o promotório do conjunto da superfície de terraços achava-se a baixada alagadiça do Piri, hoje saneada e incorporada ao espaço urbano (CORRÊA, 1987, p. 44).
Além desse caráter defensivo, de domínio territorial e de apropriação e expropriação das riquezas das cidades amazônicas do início da colonização, Vicentini (2004) destaca ainda sua vinculação como construção idealizada da cristandade, como tarefa missionária junto aos nativos, às cidades jesuíticas e às cidades coloniais barrocas.
Assim, a autora afirma que nesse período nascia o urbano colonial barroco na região como lógica de penetração, como presença no além mar das metrópoles do colonizador, o urbano da soberania dos estados absolutistas.
Portanto, o ideal de penetração no território amazônico, relacionado à sua necessidade de ocupação e defesa, expressou-se do ponto de vista socioespacial no surgimento de cidades à beira dos rios principais que davam acesso à região e, além disso, reproduziu-se nas paisagens por meio de seus traçados urbanísticos (TRINDADE JR; SILVA; AMARAL, 2007).
Para Oliveira (2000), outra característica importante dessas cidades amazônicas é a influência indígena na alimentação, nos instrumentos de pesca e nas habitações com a presença do terreiro batido entre a casa e a rua. Ao destacar essa influência indígena em sua análise, este autor, mostra na verdade a importância metodológica de se trabalhar não apenas com a dinâmica econômica dos processos espaciais, mas também com a dimensão do vivido.
Com isso, Oliveira (2000) acaba por destacar a importância do sujeito e da cultura na história e por não cair na armadilha das análises fundadas na economia e nos produtos chefe  dessa economia Do ponto de vista mais da produção econômica, cabe destacar a forte economia com base no trabalho indígena e no sistema de aviamento, cujo controle econômico e social era realizado pelas ordens religiosas, principalmente os jesuítas, que desenvolviam na região economia voltada à exploração das chamadas “drogas do sertão”.
De acordo com Machado (1999), o vale do rio Amazonas foi dividido entre diversas ordens religiosas que asseguravam o controle sobre os índios e o território, de maneira que nessas condições os religiosos procuraram empreender uma exploração da floresta economicamente bem-sucedida, complementada por culturas comerciais e de subsistência ao longo do vale do rio Amazonas.
Depois desse primeiro momento da gênese das cidades na Amazônia, em que a estratégia defensiva e a presença das atividades missionárias se fizeram muito significativas, pode-se destacar um segundo período, em meados do século XVII, na produção do espaço urbano, o período Pombalino.
Como diz Gonçalves (2001), logo depois da fase caracterizada pela cruz e pela espada, foi implantado um segundo período, fundando na lógica da espada e do dinheiro. Nesse período do governo do Marquês de Pombal (1750-1777), Portugal adotou série de medidas que modificaram o processo de colonização da Amazônia, colocando no lugar do controle das ordens religiosas, o poder da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão e da Capitania de São José do Rio Negro.
Entre essas medidas pode-se destacar: i) doação de terras para colonos e soldados; ii) introdução do trabalho escravo (1756), procurando reforçar a agricultura comercial (cacau, fumo, café, cana, arroz e etc.); iii) implantação da pecuária nos campos de Rio Branco (Roraima), baixo Amazonas e nas Ilhas (Marajó); iv) criação e reativação de numerosos fortes, visando a proteção da região contra interesses externos, principalmente espanhóis e franceses; v) elevação de quarenta e seis aldeias missionárias à categoria de vila, entre 1755 e 1760; vi) reforço ao “sistema de aviamento” – importação de produtos manufaturados e importados (OLIVEIRA, 2000; CORRÊA, 1987; GONÇALVES, 2001).
O que se verificou nesse período pombalino foi uma verdadeira tentativa de romper com a condição extrativista da região, até agora fundada na exploração das “drogas do sertão”, e implantar modelo agrícola e pecuário. Tal tentativa se refletiu, segundo Marin (2005), em uma forte produção da rizicultura no delta do rio Amazonas sob o controle da companhia mercantil do Grão-Pará e Maranhão, principalmente, nas colônias de Macapá e Mazagão. Aliás, esta última foi deslocada do Marrocos, devido à guerra contra os mouros, e totalmente reconstruída na Amazônia.
Para Vidal (2008), tratou-se de uma “cidade que atravessou o Atlântico”.  De uma perspectiva mais urbanística. Por sua vez Vicentini (2004) destaca o aperfeiçoamento da administração colonial, com a consolidação da ação municipal e a forte influência da engenharia militar na estruturação urbana das cidades da Amazônia. Passa a triunfar nas cidades um traçado urbano regular, de desenho reticulado e às vezes centralizado, e um ordenamento voltado às necessidades pragmáticas.
Do fim do século XVIII até a primeira metade do século XIX, a Amazônia passou por período de forte estagnação econômica que afetou a estrutura da rede urbana regional (CORRÊA, 1987). Para esse autor, dois eventos externos à própria região são responsáveis por esta estagnação econômica e urbana: a extinção da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1778) e o panorama internacional que não estava favorecendo os produtos tropicais.
Esses dois eventos afetaram a vida urbana regional, não mais embrionária, porém também ainda não solidamente estabelecida. De um lado, observou-se o arrefecimento da expansão agrícola que afetou as áreas do baixo Tocantins e do vale do rio Negro, as mais importantes áreas agrícolas da região. De outro lado, verificou-se diminuição do crescimento urbano, perda de população urbana e desatenção da administração pública com os serviços urbanos (CORRÊA, 1987).
Nessa primeira metade do século XIX, período que antecedeu a expansão da borracha na região amazônica, a rede urbana estava estruturada da seguinte forma: (...) proeminência de Belém, e por um padrão espacial predominantemente ribeirinho, centrado no eixo do rio Amazonas.
No litoral havia alguns poucos núcleos urbanos, outros poucos na zona guajarina e na ilha de Marajó. Nos afluentes do Amazonas a presença de núcleos urbanos limitava-se aos baixos cursos do Tocantins, Xingu, Tapajós e Madeira, sobressaindo em importância o vale do rio Negro, com uma rede relativamente mais densa, porém, em profunda decadência (CORRÊA, 1987, p. 48-49).
O extrativismo da borracha ocorrido na Amazônia entre 1850 e 1920 foi responsável por diversas modificações tanto na região, quanto no espaço urbano das suas principais cidades, Manaus e Belém.
É um momento de muita riqueza, em que há forte e crescente demanda externa pela borracha no mercado internacional, o que vai ser fundamental na superação do problema do transporte e da mão de obra, uma vez que se tem maior oferta de capitais para financiar a produção e reforço do sistema de aviamento, elemento viabilizador da produção, da circulação, do consumo e da estrutura de poder (CORRÊA, 1987; SARGES, 2002).
A produção de borracha se fazia por meio do “sistema de aviamento”, em que os bancos e as casas exportadoras europeias e norte-americanas colocavam capitais à disposição das casas aviadoras localizadas em Belém e Manaus, que, por sua vez, incentivavam os donos ou arrendatários de áreas de extração de seringa – os seringalistas – a criarem postos comerciais ou mesmo barracões no interior, operados por pequenos comerciantes.
A partir destes pontos de intercâmbio comercial, localizados ao longo das vias fluviais, os aviadores adiantavam alimentos ou ofereciam empréstimos aos seringueiros – pequenos coletores de borracha – para que pudessem comprar víveres e utensílios necessários à extração de borracha mediante a obrigação destes entregarem em troca toda sua produção.
Quando os trabalhadores agenciados chegavam aos seringais, além das dívidas de custos da viagem, ainda tinham que arcar com o pagamento dos utensílios e dos alimentos que eram antecipados pelos seringalistas, que o recebiam de comerciantes vinculados às casas aviadoras (CORRÊA, 1987; GONÇALVES, 2001; BROWDER; GODFREY, 2006).
No que se refere à rede urbana regional nesse período, Corrêa (1987) mostra que funcionava com articulação dendrítica das localizações cujo papel era viabilizar a extração de excedentes que, no plano regional, garantiria o poder econômico e político de uma elite mercantil localizada em Belém e Manaus e, no plano internacional, viabilizaria, a baixo custo, novos empreendimentos indústrias nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França e na Alemanha.
Indo mais a fundo, Browder e Godfrey (2006), apontam seis elementos básicos que, ligados hierarquicamente pelo poder econômico-político, pelo fluxo de capital, pelas trocas internacionais e pelos padrões de migração de trabalhadores, ajudam a compreender esse regime mercantil de aviamento extrativo.
No topo da rede, apontam as metrópoles globais que são fontes de capital internacional e de influência política estrangeira, a exemplo de Londres, Paris e Nova York. Nacionalmente, destacam as elites comerciais e as do poder político, localizadas principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, e que competiam com o capital estrangeiro pelo controle do comércio da Amazônia.
Regionalmente, destacam-se Belém e Manaus, onde figuram as grandes casas comerciais e os interesses financeiros especializados na exportação de materiais básicos e recursos naturais para o mercado internacional. Além disso, esses grupos regionais forneciam bens de consumo e instrumentos de trabalho para pequenos mercadores localizados no interior da região.
Ao nível intrarregional, no interior, têm-se as cidades regionais, que funcionam como entrepostos comerciais, portos fluviais localizados estrategicamente em cidades como Santarém, Porto Velho e Marabá, que serviam como cidades intermediárias, ligando os centros metropolitanos regionais aos produtores locais na economia mercantilista extrativista. Tais cidades serviam em geral como moradia dos interesses agrários das elites regionais, os seringalistas, que dominavam as áreas de extração da floresta, e como pontos de ligação com as vilas de menor porte.
Nos povoados, acessados pela via fluvial – rios Amazonas, Negro, Solimões, Madeira e Tocantins –, os pequenos aviadores comerciais operavam postos de coleta locais, os “barracões”, em que os pequenos produtores primários trocavam produtos da floresta por mercadorias importadas.
Esses povoados são também pontos de partida para viagens em pequenos tributários e trilhas da floresta que conduzem às áreas de produção na economia mercantilista extrativa. Por fim, na outra ponta estão as vilas, onde residiam famílias caboclas e nordestinas em barracas ou pequenas cabanas espalhadas por todo interior e dedicavam-se à agricultura de subsistência e à coleta do látex e de outros produtos florestais (BROWDER; GODFREY, 2006).
Para Machado (1999), é nessa fase da borracha que se localiza a origem da urbanização regional. Antes desse período, as missões religiosas e as pequenas vilas e fortificações concebidas pelos portugueses e construídas com o trabalho indígena ainda que fossem funcionais ao domínio territorial, quase nada tinham a ver com a gênese do urbano na região.
Segundo Machado (1999), o surgimento de novas aglomerações e o desenvolvimento, ainda que precário, da forma urbana estão relacionados à espacialmente extensiva cadeia comercial de exportação da borracha natural e à importação de bens de consumo: a hierarquia urbana regional é dada pela posição dos núcleos na rede de comércio, constituindo, assim, uma “proto-urbanização”, em que as interações espaciais eram inteiramente dependentes dessa cadeia produtiva da borracha.
O período imediatamente posterior à euforia da borracha é marcado por forte crise decorrente da concorrência sofrida pela produção racionalizada de seringa na Ásia. Na verdade, algumas tentativas de produção racionalizada haviam sido tentadas na Amazônia por brasileiros e estrangeiros – a experiência mais conhecida é a de Henry Ford. No entanto, problemas de ordem técnica – dificuldade em obter espécies com alta resistência a doenças e produtividade – e problemas derivados das tentativas de introduzir o trabalho assalariado nos seringais impediram o sucesso dessas tentativas (CORRÊA, 1987; GONÇALVES, 2001).
Entre as consequências da crise, Corrêa (1987) destaca a estagnação econômica decorrente da crise da borracha, o aumento da dívida interna e externa, a relativa autonomia dos seringais, o refluxo populacional e a diminuição absoluta da população das pequenas cidades.
Alguns autores consideram, porém, que é preciso discutir melhor o sentido da crise da borracha para região amazônica, pois para os seringueiros e a população local esta crise deve ser relativizada.
Gonçalves (2001), por exemplo, mostra que para que os seringais pudessem se manter produtivos durante essa fase de crise foi necessário que os novos gerentes e administradores fizessem uma série de concessões aos seringueiros para conseguir mantê-los dentro da floresta: tolerância com a prática da agricultura, uma vez que não existia mais condições de abastecer os seringais com as importações do exterior; permissão para os seringueiros constituírem família, o que antes era proibido, uma vez que até mesmo as prostitutas faziam parte do abastecimento.
Uma espécie de substituição de importações começou a ser colocada em prática nos espaços dos seringais. Dentre as conseqüências imediatas dessa combinação da agricultura com o extrativismo (agroextrativismo), segundo esse autor, tem-se um maior enraizamento das populações no interior da floresta e uma melhoria na qualidade da alimentação, a qual, por sua vez, levou a uma queda nos índices de doenças e de mortalidade.
Quanto à rede urbana, pode-se dizer que a derrocada da estrutura comercial de exportação a atingiu de modo diferenciado. De um lado, o refluxo migratório produziu verdadeiras “cidades-fantasmas” e “cidades estagnadas”; de outro, acabou provocando o aparecimento de novas aglomerações em função do êxodo rural ocorrido nas áreas em que estavam as maiores unidades de exploração da borracha.
Essa crise econômica regional estimulou a rede urbana a assumir uma direção diferente daquela que estava seguindo. Enquanto o boom da borracha promoveu a dependência dos aglomerados – pequenos ou grandes – de recursos e bens produzidos em outras regiões, a crise estimulou a exploração de recursos locais e também a redução no ritmo das trocas entre os aglomerados (MACHADO, 1999). Além disso, impossibilitou o surgimento de novas vilas e algumas daquelas existentes entraram em fase de estagnação (OLIVEIRA, 2000).
Depois da década de 1960, a Amazônia é atingida por organização espacial denominada por Gonçalves (2001) de “estrada-terra-firme-subsolo”, como forma de diferenciá-la de outro modelo que perdurou desde o início da ocupação do território, omodelo “rio-várzea-floresta”.
Neste, o rio teve papel decisivo como eixo da circulação e como meio para conquista do território, por meio da exploração de produtos extrativos da floresta ou mesmo de uma agricultura realizada nas várzeas dos rios. Naquele, o rio perde essa importância na organização da vida das populações amazônicas e as estradas passam a assumir cada vez mais esse papel, como meio de integração territorial, como mecanismo de ocupação do espaço regional e como forma de acessar os recursos minerais, presentes no subsolo, e os recursos madeireiros, presentes na terra-firme.
Aqui é importante fazer ressalva em relação a essa abordagem de certa forma dualística de Gonçalves (2001), pois as cidades com economia fundada no extrativismo e que funcionavam como entreposto comercial, como base da atividade portuária, como localização estratégica à margem dos rios e como suporte das casas aviadoras, localizadas em Belém e Manaus, principalmente, continuaram tendo importância depois do processo de transformação que atingiu a região, devido à infraestrutura que possuíam e à capacidade que tinham de oferecer serviços diversificados.
Na verdade, a essas cidades – Marabá, Tucuruí e Imperatriz (rio Tocantins), Altamira, Vitória do Xingu e São Félix do Xingu (rio Xingu), Santarém e Itaituba (rio Tapajós) e Porto Velho e Humaitá (rio Madeira) – que hoje são elos da ação política e do mercado, vieram se somar outras, surgidas no movimento de expansão da fronteira, a exemplo de Parauapebas, Sinop, Vilhena e Paragominas (CASTRO, 2008).
Alguns antecedentes dessa nova estratégia de integração territorial da Amazônia já podem ser encontrados no governo de Getúlio Vargas com a chamada “marcha para o oeste”.
Por meio do “Discurso do rio Amazonas”, ele deixou clara a importância que tem o desenvolvimento da região Norte para o Brasil e que não apenas os brasileiros em geral devem participar desse esforço, mas também técnicos e homens de negócio, mesmo que sejam estrangeiros.
Esse esforço deve promover a unificação nacional, alinhando o desenvolvimento da Amazônia aos polos industriais dominantes no país, e transformar a força cega e extraordinária das grandes torrentes equatoriais em fertilidade e energia.
Com Vargas, foi criada em 1953 a primeira grande agência de desenvolvimento regional da Amazônia, a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), com o objetivo de promover o desenvolvimento da sua infraestrutura de transporte, da comunicação e de saúde.
Ainda que não tenha conseguido ter sucesso nessa empreitada, o governo Vargas conseguiu estabelecer as bases dessa ideologia nacionalista originada ainda durante a viagem de Euclides da Cunha ao Vale do Purus e sua proposta de criação da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e que mais tarde iria impulsionar a expansão de frentes econômica e populacional sobre a Amazônia (BROWDER; GODFREY, 2006)
No período em que Juscelino Kubitschek esteve no poder (1956-1961), as estratégias do desenvolvimento focavam a industrialização do país, a ampliação do mercado interno e a expansão para o interior. Nesse governo, houve a transferência da capital federal para Brasília, em um esforço geopolítico de colocar o poder no “centro geográfico” do território, e a construção da rodovia Belém – Brasília, a primeira grande estrada a integrar fisicamente a região amazônica, por via terrestre, ao restante do país.
A rodovia Belém – Brasília não é apenas uma estrada, mas a materialização geográfica de um projeto de desenvolvimento e modernização territorial, nos moldes do pensamento Republicano positivista esboçado dentro outros por Euclides da Cunha.
Com a Belém – Brasília ocorre a viabilização dos interesses de uma fração da burguesia nacional, as empreiteiras, e a produção de um rompimento profundo com parcelas das elites dominantes tradicionais da Amazônia que detinham como base de sua sustentaçãoo modelo mercantil e o sistema de aviamento (GONÇALVES, 2001).
Como demonstraram Browder e Godfrey (2006), ao longo dessa rodovia vai se estabelecer um processo muitas vezes caótico de delimitação e ocupação das terras cujo fundamento será a apropriação privada desta por grandes proprietários de latifúndio apoiados ou mesmo incentivados por agências governamentais de desenvolvimento regional.
Para se ter uma ideia desse processo, basta dizer que entre 1959 e 1963, aproximadamente 5,4 milhões de hectares de terras foram transferidos das mãos do poder público para os grupos privados, somente no estado do Pará. O resultado dessa ocupação foi o conflito violento pela posse da terra, a produção de títulos fraudulentos e a violência rural que ainda impera na região e que impediram que pequenos agricultores e colonos pudessem acessar títulos de terras e crédito rural, ficando muitas vezes submetidos a uma lógica itinerante ou tendo que se empregar como mão de obra barata nos grandes projetos implantados, então, na região.
Ainda segundo esses autores, pode-se afirmar que a lógica de ocupação do espaço agrário ao longo da Belém – Brasília acabou por produzir uma forma específica de urbanização que está diretamente associada ao mundo rural. Em suas palavras: A eventual consolidação de pequenas reivindicações de terras em grandes latifúndios ao longo da rodovia Belém-Brasília promoveu uma forma específica de urbanização: as vilas de migrantes pobres que pareciam, inicialmente, favelas rurais. Desprovidos do acesso à terra, muitos migrantes tinham pouca escolha além de congregar-se em uma série de povoados espontâneos ao longo da rota da rodovia Belém-Brasília nos estados de Goiás, Maranhão e Pará (BROWDER; GODFREY, 2006, p. 86).
Depois da década de 1960, com os militares no poder, a Amazônia será concebida como fronteira e sua ocupação terá como base a estratégia de ocupação desenhada pelo governo federal.
De acordo com Becker (1998), é o próprio governo federal que passa a viabilizar e subsidiar a ocupação das terras à frente da expansão pioneira. Para isso, vai impor à região uma malha de duplo controle, técnico-político, sobre o espaço preexistente. Entre as principais estratégias estão: i) implantação de redes de integração espacial; ii) superposição de territórios federais sobre os estaduais; e iii) subsídios ao fluxo de capital e indução dos fluxos migratórios (BECKER, 1998; MACHADO, 1999).
A primeira estratégia se refere à cobertura extensiva do território por redes técnicas, em que os investimentos públicos são direcionados: i) para a construção de estradas pioneiras – rede rodoviária –, a exemplo da Transamazônica, da Perimetral Norte, da Cuiabá-Santarém e da Porto Velho-Manaus (12 mil quilômetros em cinco anos); ii) para a implantação de um moderno sistema de telecomunicação – rede de telecomunicações comandadas por satélites – 5.100 quilômetros, em três anos; iii) para a construção de redes de distribuição de energia elétrica associadas à usinas hidrelétricas de grande e médio porte (rede hidrelétrica); iv) para a implantação de uma rede de cidades que funciona como sede das instituições estatais e das organizações privadas (rede urbana); e v) para os investimentos em levantamentos por radar dos recursos naturais existentes na região (Projeto Radam – 1971).
A segunda estratégia se refere à federalização dos territórios, em que o governo central sobrepôs sua jurisdição sobre parte das terras públicas estaduais, com o objetivo de inicialmente distribuí-las entre os imigrantes pobres, alocados nos programas de colonização, ou vendê-las a baixo custo para possíveis compradores (MACHADO, 1999).
O primeiro grande território, criado em 1966, foi a Amazônia Legal, superpondo- se à região Norte. Nela, a SPVEA foi substituída pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), que associada ao Banco da Amazônia (Basa), passou a direcionar fundos e a promover incentivos fiscais e créditos para região.
O segundo território, construído entre 1970-1971, refere-se à apropriação pela esfera pública de uma faixa de 100 Km de cada lado das estradas federais existentes na região, com a justificativa de desenvolver projetos de colonização agrícola para famílias camponesas oriundas do Sul do Pais.
O terceiro território (1974) está relacionado à estratégia de implantação seletiva de quinze polos de desenvolvimento, denominado de Polamazônia, voltados para a canalização de investimentos em atividades especializadas segundo a “vocação” de cada uma das áreas selecionadas – acompanhando o raciocínio das vantagens comparativas. Tratou-se de desestimular os projetos de colonização voltados aos pequenos agricultores e de incentivar grandes grupos corporativos (empresas agropecuárias e de mineração).
Por meio desse programa, o governo colocou como prioridade os programas de exploração mineração – Trombetas (baixuta), Carajás (ferro, ouro, manganês, tungstênio), Rondônia (estanho), Juruena /Tapajós (ouro) – e de estimulo às atividades agrícolas – Rondônia e sul do Pará (BECKER, 1998; MACHADO, 1999).
O quarto território se refere aos dois grandes programas em áreas específicas e  com redução dos gastos públicos, o Programa Grande Carajás (PGC) e o Projeto Calha Norte (PCN). Por fim, a terceira estratégia faz alusão aos investimentos voltados ao capital privado e à indução do fluxo migratório para a região amazônica. Por meio de mecanismos fiscais e creditícios o Estado subsidiou o fluxo de capital do Sudeste e do exterior para Amazônia, por meio de bancos oficiais, especialmente o Basa.
Ao mesmo tempo, induziu a migração para região por meio de diferentes mecanismos, com o intuito de formar uma mão de obra para os projetos ali desenvolvidos (BECKER, 1998).
De acordo com Machado (1999), dos 950 projetos aprovados pela Sudam, 631 estavam voltados para a pecuária, para fazendas com o tamanho médio de 24 mil hectares; e, em segundo lugar, estavam os projetos voltados para a exploração madeireira.
Essa autora chama atenção para o fato de que o Estado permitiu que pessoas físicas e jurídicas direcionassem até 50% do imposto sobre a renda em projetos agropastoris e minerais na Amazônia legal, aprovados pela Sudam.
Por cada investimento realizado, o Basa contribuía com três unidades monetárias, sendo que os lucros estavam isentos de tributação por dez anos. Na prática, conclui a autora, os projetos agropastoris da Sudam – investimentos públicos – acabaram por beneficiar interesses privados localizados em outras regiões que não a Amazônia, como alias ainda verifica-se agora no Brasil de Lula.
O resultado de todas essas políticas direcionadas para Amazônia foi o estabelecimento de uma “fronteira urbana”, entendida por Becker (1998) como a base logística para o projeto de rápida ocupação regional, acompanhando ou mesmo antecipando várias frentes, a divisão territorial do Estado do Para e a continuidade desta lógica de ocupação.
Como já foi dito na Amazônia, a urbanização não deve ser vista como sendo consequência da expansão agrícola, pois a fronteira aqui já nasceu urbana e com ritmo de urbanização mais rápido que no restante do país. Ainda segundo ela, o processo de urbanização deve ser visto como instrumento de ocupação da região e desempenha três papéis fundamentais: i) é um poderoso fator de atração de migrantes; ii) é a base da organização do mercado de trabalho; iii) é o lócus da ação político-ideológica do Estado centralizadas a partir de Brasília para viabilizar os interesses dos Paulistas e do Mercado financeiro internacional..
Para Machado (1999), a novidade na experiência da urbanização da Amazônia não é necessariamente a intervenção direta do Estado nos processos, mas a gênese quase instantânea de um sistema urbano que é, ao mesmo tempo, condição e produto do sistema de povoamento da região.
Para ela, urbanização e povoamento estão associados no conceito de “sistema de povoamento”, entendido como conjunto de nódulos (vilarejos, vilas e cidades), as redes de comunicação que os interligam e os equipamentos e a informação que permitem essa conexão em determinado território.
Dois quadros, apresentados a seguir, sintetizam bem o processo de urbanização regional e a diversidade de tipos de cidades existentes na Amazônia a partir desse contexto da fronteira urbana.
O quadro 1 procura demonstrar uma tipologia das cidades existentes na região. Para Trindade Jr., Silva e Amaral (2007), o quadro apresentado demonstra uma complexidade no processo de urbanização da região, em que este reflete as novas formas de organização do espaço regional que acabaram por produzir, tanto formas urbanas novas, quanto conteúdos que apontam para a diferenciação no processo de produção do espaço amazônico.
Os autores fazem questão de deixar claro que não se trata de tipos isolados de urbanização, mas muitas vezes da combinação de diferentes tipos na mesma região, ou mesmo de faces diferenciadas em um mesmo meio urbano.
Na interpretação desses autores, tal complexidade é fruto de processo de transformação recente, que provoca profundas alterações na paisagem urbana regional, mas que também nos revela resíduos de urbanização anterior que não foi definitivamente aniquilada.
Assim sendo, faz-se necessário pensar, por um lado, a difusão da cidade no território, que muitas vezes, na Amazônia, até bem recentemente, guardava pouco da vida urbana; e, por outro lado, pensar a difusão da vida urbana nas formas espaciais, seja nas cidades, seja para fora delas, adentrando, inclusive, no campo (TRINDADE JR.; SILVA; AMARAL, 2007).
No que se refere aos padrões de urbanização regional para o contexto da fronteira urbana, é possível apontar, conforme mostra o quadro 2, diversos padrões e suas características. É possível concluir que o resultado dessas políticas voltadas à integração territorial foi à marginalização das antigas aglomerações situadas nas margens das vias fluviais pelas ondas migratórias recentes, com exceção daquelas vias cortadas pelos novos eixos de circulação terrestre (MACHADO, 1999).
Essas mudanças na estrutura urbana regional tem significado, na prática, algumas transformações no papel assumido por Belém. De acordo com Trindade Jr. (2005), essas transformações na urbanização amazônica podem ser compreendidas por duas categorias de análise utilizadas para o entendimento do Brasil: “urbanização do território” (SANTOS, 1994) e “metropolização do espaço” (LENCIONI, 2003, 2004).
A primeira refere-se não apenas ao aumento no tamanho da população urbana do país, ao grande percentual de pessoas vivendo em cidades, mas sim pela expansão do meio técnico-científico e informacional com suas variáveis e nexos modernos por todo o território nacional. A segunda faz alusão a nova maneira de entender a relação entre cidade e região, em que as características do espaço metropolitanas, são impressas nas cidades do seu entorno.
Para a Amazônia, conforme propõe Trindade Jr. (2005), esses dois processos assumem uma determinada especificidade considerando a dinâmica econômica e urbana da região. A expansão do meio técnico-científico e informacional nessa região se faz de maneira diferenciada quando considerada a dimensão da tecnoesfera – sistema técnico – e da psicoesfera – sistema de valores.
A dimensão da tecnoesfera na Amazônia se faz presente de maneira descontínua e pontual, em apenas alguns “espaços luminosos”, caracterizados pela dinamização econômica e pela modernização.
Dessa forma, além das capitais estaduais e das cidades ligadas a grandes empreendimentos econômicos, a urbanização do território se faz presente no sudeste do Pará, no Mato Grosso, no Tocantins e no centro-sul de Rondônia (MACHADO, 1999; BECKER, 2005).
Quanto ao processo de metropolização do espaço na Amazônia, Trindade Jr. (2005) afirma que ela se manifesta na região muito mais pela presença das metrópoles nacionais e extrarregionais do que pelas metrópoles regionais. Assim, como mostra o autor e confirma Becker (2005), o papel de “centro urbano relacional” é enfraquecido em grande parte por centros metropolitanos extrarregionais, como é o caso de Goiânia/Brasília e de São Paulo.
O futuro não esta contido apenas no passado e no presente. Ele depende da ação e da vontade conduzidas pelas lideranças esclarecidas e dinâmicas, a serviço do interesse comum, neste momento tais lideranças são aquelas que propõem a criação do Parmirim, para dar origem aos novos Estado Paraenses do Tapajos e de Carajás, assim, o Pará será como aquela arvore frondosa da extensa floresta que ao deixar de existir em Pé permite o vicejar de novas e vibrantes arvores que manterão a floresta viva.
A Amazonia e o Para em particular deve antecipar a necessária reorganização do espaço politico-territorial regional, mediante a criação de novas unidades da federação viabilizando o processo de descentralização administrativas  e ampliando a representação politica tão pouco representativa da nossa importante região no Congresso Nacional. Uma reorganização do território paraense é cada vez mais urgente e inadiável, ainda mais quando constata-se o esvaziamento do êxodo rural do interior dos estados Amazônicos e a excessiva concentração em suas capitais particularmentes nos grandes centros urbanos de Belem é Manaus, já a beira da explosão social em decorrência da miséria crescente e da marginalização social do povo destas capitais.
Criados esses novos entes federados ampliam-se a representação politica da região no congresso nacional e potencializam-se o surgimento de novas lideranças para lutar por mais investimentos sociais e econômicos com vista a interiorizar o desenvolvimento da região, não custa lembrar que hoje o Pará representa mais de três por cento da população brasileira no entanto no parlamento nacional estamos representados por menos de dois por cento dos eleitores do pais.
Referencias: A dinâmica da rede urbana no Estado do Pará – In: Brasil 2010. Infraestrutura social e urbana no Brasil : subsídios para uma agenda de pesquisa e formulação de políticas públicas / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. – Brasília : Ipea, 2010. v. 2 (912 p.): Estratégicos do Desenvolvimento Brasileiro ; Infraestrutura Econômica, Social e Urbana ; Livro 6.

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