terça-feira, 2 de abril de 2013

Papo de surdo e mudo (ou melhor, de Pai e Mãe)

Mãe: Dá uma olhada... Penúltima fileira...
Pai: Repete
Mãe: Termina no verde pra ela dar continuidade, dá pra sacar?
Pai: é seqüência
Pai: não é espelho, é seqüência
Mãe: sim, é seqüência, o q segue, o q vem depois!!!
Pai: Seqüencialmente
Mãe: mas, o vermelho não segue depois do verde
Mãe:não é isso o que está informando
Mãe: não é repetição
Mãe: é seqüência
Pai: o vermelho inicia a seqüência
Pai: o verde finaliza
Pai: depois que acaba, começa ao contrário?
Mãe: hum... tá bom!
Mãe: não começa ao contrário, só não tá informando um verde antes do vermelho...
Mãe: mas, tá ok! deve ser repetição, mesmo
Pai: então é uma seqüência que não repete?
Mãe: ok!
Mãe: disse a ela q estava errado, mas realmente fiquei pensando.


Pode inicialmente parecer um jogral, daqueles que aprendíamos na escola, sob a ligeira observação do professor, mas ao invés disso é um dialogo entre pai e mãe a respeito do dever de casa da filha, confesso que a primeira leitura me deixou perplexo, fiquei absolutamente curioso, com a capacidade imaginativa da filha em desconstruir paradigmas e com a engenhosidade dos país em discutir o dever de casa da prole, algo que deveria ser comum, mas que embute em si, um discurso de carinho, atenção e de cuidado, como poucas vezes eu tive a oportunidade de ver.

Ao querer discutir o discurso aqui representado pela simples ótica de sua análise, nos deparamos com um problema metodológico, pois a análise do discurso a partir das considerações de Roudinesco o objeto de analise é um corte temporal, um pensamento construído para se legitimar um pensamento ou mesmo uma ideologia, bem como em suas estruturas estão inseridas modelos de poder, representadas em sua plenitude.

Confesso que a escola francesa me deixa um pouco inquieto e que no Brasil esse processo toma uma verdade mais humana e mais tupiniquim, onde a brasilidade se apodera do processo de construção dos discursos e assume invariavelmente sentimentos e sensações que nos tocam.

Obviamente que ao se tratar do processo de educação de seus filhos os pais costumam por vezes exagerar nas suas próprias expectativas, mas claramente isso vai depender da própria formação política e ideológica que fundamenta a construção individual e coletiva inseridos no consciente dos indivíduos que ali buscam soluções conjuntas para pequenos momentos da vida cotidiana.

Todo o zelo proposto no discurso representa bem mais que o simples olhar para uma atividade acadêmica da prole, mas representa toda a potencialidade filosófica, política e ideológica de representação a partir da constatação que a filha não tem a menor intenção de se submeter ao processo de dominação hegemônica proposto no exercício, pois o exercício se trata exclusivamente de construir elementos mentais para moldar a forma como a criança deve se comportar socialmente, ou seja, constrói estruturais mentais, a partir do processo de repetição, que faz a criança modificar sua percepção crítica para se adaptar as sugestões de como dever ser, ao invés de construir a capacidade de análise crítica de cada individuo.

Certamente nem os pais perceberam que a criança estava negando o processo de automação que ela estava sofrendo e que sua rebeldia representa um movimento inconsciente de resistência, o que comprova a capacidade humana de rebelar-se mesmo na tenra idade.

Outro ponto que fica latente de observação é o discurso ressonante dos pais, quase poético, devidamente complexo e calorosamente humano, se a poesia pode existir em sua causa mais natural os pais em seu dialogo construíram uma sonoridade filosófica única, combinando traços dialécticos com objectividade metafísica necessários para aflorar a percepção de como construir novos elementos que permitam interagir com a criança a partir mesmo da sua capacidade intelectual.

O fazem com certo descaso (na rede social), mas com uma preocupação instrumental enorme, obviamente que a sonoridade do debate chamou atenção, mas acima de tudo o que chama a atenção e a possibilidade dessa criança ter acesso ao pleno exercício de sua liberdade criativa e como os pais compreendem esse processo para fortalecimento das suas relações emocionais. Critério primeiro para um ser humano ajustado e crítico dos fatores sociais e ambientais que o circulam.

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