sexta-feira, 14 de novembro de 2014

No PT há luta de classes? (Parte 1)

Em função do tamanho do artigo vou dividi-lo em três partes! Segue a primeira!

Essa questão me veio a tona quando li em uma publicação que haveria paz no PT, após o segundo turno das eleições de 2014, no Pará o PT apoio um candidato do PMDB ao governo e fez coligação nos proporcionais, com o resultado elegeu um senador, dois deputados federais e três deputados estaduais, a antiga bancada era composta de quatro deputados federais e sete deputados estaduais. O PSBD se consolida com a principal força política do Pará, elegeu desde 1994 elegeu 5 governadores, e nesse período o PT elegeu somente 1.



Contudo, não estamos aqui para fazer um balanço do processo eleitoral, só gostaríamos de refutar a paz interno do PT, as divergências e diferenças políticas que originou o PT na década de 80 fizeram uma enorme contribuição para a formação da esquerda desse país, enfim, para muitos as “tendências” representavam uma enorme confusão ideológica, mas para o PT se estabelecia laços com os mais diversos setores dos explorados, enfim, o PT se construía a medida que a própria sociedade lutava pela democracia, e com isso o PT refletia em sua construção interna um fluxo das lutas sociais de seu tempo.

Esse é o objetivo desse descuidado artigo, comprovar que o PT, para além das vontades individuais, se construiu como um partido vivo e dinâmico do próprio desenvolvimento da sociedade brasileira, logo, não poderá haver paz interna no PT, pois, ele é o reflexo da sociedade que estamos vivendo, a mesma dos morros cariocas, a da chacina nos bairros de Belém, que agridem homossexuais e depois de uma eleição os setores reacionários querem de volta a ditadura militar.

Vamos começar estudando o processo de formação social do PT, sua construção histórica, as suas decisões que levaram ao PT trilhar seu caminho hoje e por fim, de como o PT do Pará se tornou esse arremedo do PT nacional, que nem de longe se parece com o PT nacional, e como isso justifica a intensidade eleitoral do PT, como por exemplo, os votos de Dilma e os pífios resultados eleitorais do PT nos seus candidatos proporcionais. 

Pensamento Político: Uma visão sobre as idéias petistas.

Antes do surgimento do Partido dos Trabalhadores, a esquerda brasileira ainda tinha parâmetros que vinham do passado e significam adesão aos perigosos mecanismos da certeza absoluta, das fórmulas prontas e impositivas, nascidas do seio do marxismo oficializado e revestido de um dogmatismo que, sufocando o debate livre, impedia a análise da realidade.

Em todo caso, vale lembrar que o surgimento do PT estava intimamente ligado a ruptura de um modelo econômico baseado na intervenção do Estado na economia, as grandes obras de infra-estrutura preparavam o país para o novo século, o “boom” econômico dos anos 70 não se expressava mais com tanta força, e o crescente descontentamento da classe média com as medidas oficiais vislumbrava um futuro profundamente atrelado a princípios democráticos[i].

Lógico que essa conjuntura era expressa pela crescente inflação e endividamento externo e interno, e a crise do petróleo veio precipitar uma série de incidentes econômicos no mundo, o capital precisava circular livremente. Após a segunda guerra o capitalismo assumiu outra forma de aumentar seus dividendos, o valor do papel moeda, não era mais medido pelo lastro econômico e sim pela quantidade que esse mesmo valor poderia obter com juros. A ciranda financeira precisa abolir as fronteiras nacionais para livre circulação de moedas e idéias[ii].

Antes de evoluirmos na direção da compreensão do PT, sobre seus motivos e reivindicações, é necessário relatar o período da história em que as concepções eram tachadas de “dogmas” e “pré-concebidas”, jargões amplamente utilizados pelos petistas em sua fundação.

Obviamente que não cabe a esse trabalho elucidar todas as questões levantadas, mas é pertinente considerar que a sociedade, queira uns ou não, é dividida em classes sociais com objetivos distintos e antagônicos. Essa é na verdade todo ponto de partida e chegada da teoria, sejam elas oficiais ou não, aceitas em todo ou apenas em parte.

Nesse sentido a utopia de criar uma sociedade sem patrões e empregados, sem senhores e servos, sem opressores e oprimidos vem desde a modernidade sendo longamente e exaustivamente discutido por intelectuais e teóricos das mais diferentes escolas[iii]. Podemos citar as obras de Maquiavel no sentido de ordenar e civilizar a sociedade de sua época, ou mesmo Hobbes com seu contrato social, seguido de Locke, Rousseau e tantos outros que de uma forma ou outra contribuíram para construção de elementos de controle social, sem os quais o homem certamente “comeria a si próprio”.

Por outro lado, o desenvolvimento da ciência impulsionou a elaboração de técnicas mais bem definidas de método de pesquisa para as ciências sociais, era necessário justificar a tomada de bens da igreja para o estado, criando assim condições de separação do poder temporal do poder político. Essa separação possibilitou primeiramente para a Inglaterra, com sua revolução liberal e depois para a Europa condições materiais para consolidação de novos modelos econômicos, que mais tarde com a revolução francesa jogaria a humanidade na modernidade.

A revolução industrial, por sua vez consistia na consolidação dos princípios liberais ingleses e da liberdade política francesa, mas de um modo ou de outro, a humanidade apenas observava a permuta de poder entre senhores feudais e capitalistas.

O crescimento das cidades provocou contradições no sistema que possibilitou a construção mais objetiva da consciência de classes, o surgimento de entidade de classe para reivindicar melhores condições de trabalho e renda, redução da jornada de trabalho e regulamentação do trabalho infantil, bem como acesso à educação, saúde e saneamento básico.

Como se vê, as lutas de uma época se transportaram para nossa. Cabe observar que as teorias que moveram a classe operária no século XVIII, movem até hoje muitos sindicatos, estabeleceu-se na verdade campos distintos de batalhas entre ricos e pobres, para usar uma nomenclatura mais usual hoje em dia[iv].

O manifesto comunista[v] acabou por se traduzir em uma fórmula de luta para os explorados; e Marx seu líder intelectual. Pode-se considerar que as teorias elaboradas por Marx consistiam basicamente em superar o modelo econômico do regime capitalista por um regime onde a propriedade, logo os meios de produção seriam socializados. Essa superação de sistema se daria basicamente por duas formas. 

A primeira seria o levante do operariado contra os governos burgueses, instaurando uma ditadura do proletariado e dessa forma construiria o estado operário. Nesse caso, Marx alertou sobre a possibilidade de se verificar as condições objetivas da tomada de poder, que seriam as contradições econômicas irreconciliáveis, nesse mesmo campo Marx estudou profundamente a exploração da mais-valia, por outro lado era necessário ter também as chamadas condições subjetivas que seriam a capacidade da classe trabalhadora em se organizar e agir centralizadamente.

A partir da tomada de poder, via revolução, os organizadores da classe operária se transformariam no estado operário que trabalharia para amenizar, diminuir e até mesmo abolir o estado, pois Marx acreditava que com o fim da luta de classe não existiria necessidade de um estado, mas isso é assunto para outro trabalho.

A segunda alternativa seria a própria evolução das forças produtivas que culminaria dialeticamente com o fim de sua anarquia possibilitando dessa forma sua organização. Esse aspecto deve ser mais bem compreendido. Segundo Marx a base de produção era desorganizada, anárquica, ou seja, não estabelecia-se de fato fatores condicionantes para circulação, produção e consumo, logo, as cíclicas do processo iriam para altos e baixos, e nos momentos de crise, somente a organização da produção poderia dar cabo a demandas do próprio sistema. Essa lógica faz o capitalismo caminhar a passos lentos para seu fim.

A partir dessas duas teses os partidos operários começaram o debate, se por um lado à luta pela revolução se dava para aqueles que queriam a luta já, imediata, vale lembrar que muitos períodos revolucionários acorreram nessa época, culminando na Revolução Russa de 1917. Outros admitiam a luta, mas não consideravam às condições objetivas ou subjetivas ideais para uma ação ou ato direto[vi].

Esse segundo contingente de intelectuais e burocratas sindicais, ou antigos anarquistas e pequeno-burgueses, acabaram por fornecer elementos, sempre justificado-os pela contestação do sistema produtivo. Em todo caso, saiam daí social-democratas, trabalhistas, marxista-cristãos, eurocomunistas, ecológicos, e esses mesmos grupos dividiram-se e outros evoluíram para a Direita, chegando alguns casos extremos. Por outro lado, estes se colocavam de um ponto de vista da luta de classes embora numa perspectiva evolucionista e reformista, limitavam-se suas atividades na organização de sindicados e de greves, na participação eleitoral e parlamentar e na propaganda.

Fora às discussões acerca de que lados estão sentados na assembléia, se mais ao centro ou mais à extremidade, seja de direita ou de esquerda, outras discussões expressarão melhor o debate entre moderados e radicais, entre partido de massas e partido de quadros, entre movimento de ação revolucionária e movimento espontâneo das massas, entre reformas e revolução, entre centralismo e “adesão por solidariedade”, enfim, dos temas que servirão de base para discussão interna a formação do PT, mas incontestavelmente esses debates fizeram parte do cotidiano petista nas décadas de 80 e 90, como veremos no próximo item.

Trajetória forjada na luta.

Durante a transição do regime autoritário para um Estado de Direito, um processo longo e controlado pelas elites que se inicia na metade dos anos 70, um amplo leque de movimentos sociais, que incluíram desde organizações de direitos humanos, movimentos urbanos que lutavam por serviços públicos, até Comunidades Eclesiais de Base ligadas à Igreja Católica, movimentos de mulheres, de negros, etc, contribuíram para que o processo de liberalização política ‘lento, gradual e seguro‘ pudesse avançar para além dos limites imaginados pelo regime militar e seus aliados[vii]

Esses movimentos, articulados à oposição política e à ditadura, ocuparam de forma criativa o escasso espaço político que restou depois que os militares eliminaram ou restringiram duramente os canais de participação e representação existentes. Além disso, foram capazes de criar novos espaços públicos onde os excluídos sociais, políticos e culturais pudessem re-construir suas identidades, necessidades, interesses, e desafiar o autoritarismo, na política e na sociedade.

A origem do PT está diretamente ligada à experiência desenvolvida no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo nos anos 70. Tratando-se de um caso típico de uma pratica social localizada e específica que acaba por transformar-se num movimento político que ultrapassa em muito as suas dimensões iniciais[viii].

O PT nasceu como uma prática de massas e não como a corporificação de um conjunto de idéias. O fato de ter-se originado dos desdobramentos de um amplo movimento de massas constitui o principal “ponto forte” do PT, garantindo-lhe uma inserção social que viabilizou decisivamente sua constituição em partido e a expressão política que desfruta até hoje[ix].

A trajetória do sindicalismo de São Bernardo dos anos 70 continua a merecer uma análise profunda e abrange, pelos ensinamentos que encerra e pela importância assumida na história recente do país. Em São Bernardo verificou-se um exemplo verdadeiramente clássico de como desenvolver um amplo movimento de massas sob forte repressão política. Naquela altura, além do terror policial, os sindicatos se encontravam nas mãos de elementos “pelegos”[x].

A classe operária não se recuperara ainda do golpe de 1964 e sofria os efeitos diluidores da grande afluência de camponeses deslocados para as cidades, em meio ao acelerado crescimento industrial[xi]

Como resultado da expressão social assumida por sua luta, e também como resultado de seu amadurecimento, a direção sindical de São Bernardo colocou a proposta de formar um novo partido, de adquirir expressão política própria. Esse desejo, legítimo e positivo, encontrava de início um problema básico: o que seria este partido? A consciência política acumulada não se revelava suficiente mesmo para empreender uma análise mais ponderada de sua própria trajetória. Mais insuficiente ainda seria dar respostas aos problemas colocados para um partido político num país como o Brasil[xii].

Nesse sentido cabem algumas observações, primeiramente nenhuma organização cooptou os sindicalistas de São Bernardo no período, o que certamente contribui para “buscar saídas sozinhos”, o fato é que inexistia alguma corrente política capaz de hegemonizar o movimento. Ao mesmo tempo os sindicalistas sabiam que não tinham condições de gerar o partido sozinhos, precisavam de quadros políticos e intelectuais. E estes começaram a afluir em grande número ao partido que se formava, atraídos no essencial pelo peso social do movimento dos metalúrgicos[xiii].

Contudo, esse fluxo de intelectuais, militantes de esquerda, foquistas, trotskista, maoístas, cristãos, enfim, uma série de correntes de pensamentos, muitas delas oriundas das guerrilhas no final dos anos 60 e começo dos anos 70, buscavam espaços orgânicos de representação política e de palco para seus embates ideológicos. 

Todas estas motivações iriam conviver com os sindicalistas numa unidade precária, sustentada basicamente pelo espaço social definido pela referência às lutas do “sindicalismo combativo”. Fora deste limite mínimo, não haveria unidade sobre praticamente nada. Isso era mau em princípio. Poderia ter evoluído no sentido de ampliação dos espaços para que sindicalistas e os ativistas pudessem desenvolver sua prática e sua consciência. Um espaço em que as diferentes concepções pudessem aflorar, disputar e acomodar respeitando a evolução do coletivo[xiv].

Porém, prevalecia da parte da maioria dos intelectuais e dos grupos de extrema-esquerda o propósito de submeter o conjunto a suas concepções prévias, que pouco ou nada tinham a ver com a trajetória dos sindicalistas de São Bernardo. Estes por sua vez, além da bajulação e da subserviência com que eram em geral tratados pelos intelectuais e pelos grupos, interessados em manter seus espaços no partido e pouco dispostos a abrir o jogo claramente, viam no aproveitamento do permanente choque entre as diversas tendências a garantia de que não seriam submetidos a uma ‘linha única”. Tudo isso gerou uma prolongada e interminável luta pelo controle de cada organismo do partido e do afastamento progressivo dos independentes e dos militantes mais propriamente de “massas”.[xv]

Em todo caso no dia 10 de fevereiro de 1980 ficou consagrado como a data oficial da fundação do PT. Contudo, desde o ano de 1978, a proposta de organização de um partido de trabalhadores vinha sendo objeto de acirradas discussões no meio sindical. Com avanços e recuos a idéia foi avançando e várias etapas foram cumpridas ao longo do ano de 1979[xvi]

Em 24 de janeiro daquele ano foi apresentada e aprovada a tese elaborada pelos metalúrgicos de Santo André para discussão no IX Congresso dos Trabalhadores Metalúrgicos, Mecânicos e Eletricitários do Estado de São Paulo, realizado em Lins/SP. 

O IX Congresso, representando mais de um milhão de metalúrgicos, deixava claro que um partido de trabalhadores só teria legitimidade se nascesse de um programa feito pelos próprios trabalhadores, sem interferência dos patrões. Dessa reunião saiu a proposta de organização de uma comissão com representantes de outros estados para discutir o programa e os estatutos do futuro partido.

No dia 1º de maio do mesmo ano, foi dado à público a Carta de Princípios do PT e no dia 13 de outubro, em S. Bernardo do Campo, foi aprovada uma Declaração Política e criada a Comissão Nacional Provisória que iria dirigir o Movimento Pró-PT em todo o território nacional. Nessa reunião estavam presentes, além dos sindicalistas, vários representantes de movimentos sociais e da igreja progressista, intelectuais, militantes de esquerda de variadas posições, mas todos convergiam para engrossar o movimento pela criação do partido dos trabalhadores[xvii]

O dia 10/2/80 ficou marcado como sendo o da fundação do PT, porque na reunião realizada no Colégio Sion cumpria-se uma formalidade indispensável, de acordo com a Lei Orgânica dos Partidos, para que o registro da nova agremiação se tornasse possível: a aprovação do Manifesto, com um mínimo de 101 assinaturas, expressando os objetivos e as linhas fundamentais de pensamento que deveriam ser a base da proposta do partido.

Paulo Skromov, membro da Comissão Nacional Provisória do Movimento Pró-PT, conta[xviii], que a realização dessa reunião chegou a parecer para alguns dos organizadores uma "bobagem". Nas palavras de Skromov, diante da magnitude que o movimento tinha assumido, estendendo-se por todo o país, com milhares de adesões, a reunião de apenas 101 pessoas para assinarem um Manifesto que era exigido pela legislação, parecia muito pouco, uma formalidade sem muita significação.

Contra tal opinião pessimista, o que aconteceu no dia 10 de fevereiro, no auditório do Colégio Sion, foi muito mais do que uma reunião formal. Em primeiro lugar, pelo comparecimento maciço dos representantes de quase todos os Estados (242 delegados, mais de 1.000 participantes) e pela presença de vários convidados, não engajados no movimento, mas que foram dar apoio à iniciativa. Mas também, e talvez isso tenha sido o mais importante, pelo clima de congraçamento entre os diversos setores que se dispunha a levar avante o projeto da construção do Partido dos Trabalhadores[xix]

Fora preciso vencer muitas barreiras: as dúvidas quando à viabilidade do projeto; a divergência de concepções (tanto no movimento sindical como entre os intelectuais); as desconfianças mútuas entre os militantes de esquerda e os ativistas de movimentos sindicais e populares; os "preconceitos" da parte dos sindicalistas contra "intelectuais", contra parlamentares e contra estudantes, e vice-versa; e assim por diante. Mas, finalmente, a utopia, há longo tempo alimentada por tantos dos antigos militantes de esquerda, de construir um partido amplo, enraizado nos sindicatos, nos movimentos populares, no meio da juventude, parecia tomar forma visível, concreta, naquele auditório do Colégio Sion. Viu-se ali, lado a lado, militantes de várias gerações que haviam lutado contra os regimes de opressão, professores universitários, representantes de igrejas e dos mais variados movimentos populares e associativos, intelectuais e a nova vanguarda sindical. Todos juntos num objetivo comum[xx].

O entusiasmo gerado por essa percepção foi sem dúvida um dos fatores que concorreram para deflagração das campanhas - de legalização e filiação - que permitiram que, em tempo recorde, todas as exigências da lei partidária fossem cumpridas e o PT pudesse começar sua vida legal.

Esse esforço para obter seu reconhecimento legal implicou em dois desdobramentos consideráveis. Um deles era inchar o partido com milhares de filiados, muitas vezes arrebanhados às pressas e sem consciência da opção partidária que estavam fazendo. E mais, era a concentração dos esforços do partido no atendimento de normas burocráticas, tanto naquele momento como depois[xxi].

A outra implicação, mais sutil e também mais reveladora, é que, ao buscar seu enquadramento legal a todo custo, o partido reconhecia a importância decisiva dos espaços institucionais legais, a exemplo do que tinham feito antes os sindicalistas de São Bernardo. Porém, ao contrario daquela ocasião, o reconhecimento agora era só implícito, pois no discurso oficial se expressavam as opiniões contrárias que predominavam no partido, ou seja, as fortes restrições à atuação nos espaços institucionais e a indecisão permanente em face da “grande” política, vista sempre como sendo uma atividade “burguesa”.

Em todo caso, quando várias das lideranças mais expressivas das recentes lutas operárias lançaram a idéia do Partido dos Trabalhadores, exprimiram a necessidade de dar uma formulação global - política - ao conjunto de suas mobilizações. Mais ainda, responderam aos diferentes projetos surgidos no interior das esferas dominantes (alguns por líderes combativos de oposição) com um projeto radicalmente diferente, um projeto de baixo, um questionamento global de toda essa "transição por cima". 

O projeto do PT, que surge no bojo das lutas sindicais, vem assim, com a marca de uma luta concreta contra a exploração e marca, por isso, a vontade de ligar os movimentos sociais ao quadro político, transformando assim sua qualidade. Mas ele é também a possibilidade de realizar a unidade e autonomia necessárias ao processo de emancipação dos trabalhadores[xxii].

Porque a simples luta sindical - por ser naturalmente uma luta para valorizar a força de trabalho de cada categoria (ou, na melhor das hipóteses, do conjunto das categorias empregadas) não incorpora uma enorme massa popular sob uma forma estável. A conformação de um bloco histórico que solde todas as aspirações dos operários, do sub-proletariado, dos camponeses e da massa trabalhadora em geral, exige a constituição de um movimento político. O que não quer dizer que ele possa surgir da noite para o dia. Já são patentes as dificuldades de transferir as disposições de luta econômica para a esfera da organização e da mobilização políticas. Mas esse é o objetivo. Do arrocho, disposição de luta, lucidez política e persistência organizatória dependem que a próxima década assistiu ao surgimento de um movimento político dos trabalhadores que expressaram seus profundos interesses de libertação social[xxiii].

Nesse sentido o manifesto de lançamento do PT considera que o surgimento do partido nasce da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do País para transformá-la. A mais importante lição que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de que a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pelas suas mãos ou não virá[xxiv].

A grande maioria de nossa população trabalhadora, das cidades e dos campos, tem sido sempre relegada à condição de brasileiros de segunda classe. Agora, as vozes do povo começam a se fazer ouvir através de suas lutas. As grandes maiorias que constroem a riqueza da nação querem falar por si próprias. Não esperam mais que a conquista de seus interesses econômicos, sociais e políticos venha das elites dominantes. Organizam-se elas mesmas, para que a situação social e política seja a ferramenta da construção de uma sociedade que responda aos interesses dos trabalhadores e dos demais setores explorados pelo capitalismo.

Por outro lado, depois de prolongada e dura resistência democrática, a grande novidade conhecida pela sociedade brasileira é a mobilização dos trabalhadores para lutar por melhores condições de vida para a população das cidades e dos campos. O avanço das lutas populares permitiu que os operários industriais, assalariados do comércio e dos serviços, funcionários públicos, moradores da periferia, trabalhadores autônomos, camponeses, trabalhadores rurais, mulheres, negros, estudantes, índios e outros setores explorados pudessem se organizar para defender seus interesses, para exigir melhores salários, melhores condições de trabalho, para reclamar o atendimento dos serviços nos bairros e para comprovar a união de que são capazes.

Estas lutas levaram ao enfrentamento dos mecanismos de repressão imposto aos trabalhadores, em particular o arrocho salarial e a proibição do direito de greve. Mas tendo de enfrentar um regime organizado para afastar o trabalhador do centro de decisão política, começou a tornar-se cada vez mais claro para os movimentos populares que as suas lutas imediatas e específicas não bastam para garantir a conquista dos direitos e dos interesses do povo trabalhador.

Por isso, surgiu a proposta do Partido dos Trabalhadores. O PT nasce da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados[xxv].

O Partido dos Trabalhadores nasceu da vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os políticos e os partidos comprometidos com a manutenção da atual ordem econômica, social e política. Nasceu, portanto, da vontade de emancipação das massas populares. Os trabalhadores já sabem que a liberdade nunca foi nem será dada de presente, mas será obra de seu próprio esforço coletivo. Por isso protestam quando, uma vez mais na história brasileira, vêem os partidos sendo formados de cima para baixo, do Estado para a sociedade, dos exploradores para os explorados.

Os trabalhadores precisavam se organizar como força política autônoma. O PT pretendeu ser uma real expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista. Tentou se construir como um real Partido dos Trabalhadores, não um partido para iludir os trabalhadores. Eles queriam a política como atividade própria das massas que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as decisões da sociedade. O PT, desde seu surgimento pretendeu atuar não apenas nos momentos das eleições, mas, principalmente, no dia-a-dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma nova forma de democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da sociedade e cujas decisões sejam tomadas pelas maiorias[xxvi].

Não demorou o PT já conquistava e dirigia diversos sindicatos e entidades nacionais, fundou a CUT, dirigia entidade como a CNTE, FASUBRA, CONTAG e tantas outras.

Participou das eleições para prefeito em 1982, e em 1984 elegeu a primeira prefeita em Fortaleza, tomou a decisão de não participar do colégio eleitoral que elegeu Trancredo Neves, em seu 5° Encontro Nacional, aprovou a política de alianças, com o credo de ampliar e conquistar a hegemonia social. Em 1988, já com a política de alianças, elegeu Luiza Erundina prefeita da maior cidade da América Latina, lançando bases para a disputa presidencial de 1989, chegando ao 2° turno das eleições. Anos depois expulsou os grupos troktistas CO (Causa Operária) e CS (Convergência Socialista), lançado bases para consolidação de uma única linha política. 

[i] OLIVEIRA, Isabel Ribeiro de; SOUZA, Gómez de. Trabalho e Política: As origens do Partido dos Trabalhadores. Ed. Vozes. Petrópolis, 1988. 
[ii] Marx, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. Segunda Edição, São Paulo, Martins Fontes, 1983 
[iii] Tragtenberg, Maurício. Reflexões Sobre o Socialismo. 3a. edição, São Paulo, Moderna, 1989 
[iv] Tragtenberg, Maurício. Reflexões Sobre o Socialismo. 3a. edição, São Paulo, Moderna, 1989 
[v] MARX, Karl, 1818 – 1883. Manifesto Comunista/ Karl Marx e Friedrich Engels, comentado por Chico Alencar. Rio de Janeiro: Garamond, 1998 
[vi] MARX, Karl, 1818 – 1883. Manifesto Comunista/ Karl Marx e Friedrich Engels, comentado por Chico Alencar. Rio de Janeiro: Garamond, 1998 
[vii] OLIVEIRA, Isabel Ribeiro de; SOUZA, Gómez de. Trabalho e Política: As origens do Partido dos Trabalhadores. Ed. Vozes. Petrópolis, 1988. 
[viii] CARVALHO, C. Nota critica sobre a história do Partido dos Trabalhadores. In: Revistas Novos Rumos. V. I, n° 1, jan/março. 1986. 
[ix] MENEGUELLO, Rachel. PT: a FORMAÇÃO DE UM PARTIDO (1979 – 1982). Paz e Terra. São Paulo 1989 
[x] Tratamento dispensado aos dirigentes sindicais de alinhamento político favorável aos patrões. O termo origina-se do pelego utilizado logo abaixo da cela do cavalo para o animal sentir menos pressão em função da cela. 
[xi] MENEGUELLO, Rachel. PT: a FORMAÇÃO DE UM PARTIDO (1979 – 1982). Paz e Terra. São Paulo 1989 
[xii] OLIVEIRA, Isabel Ribeiro de; SOUZA, Gómez de. Trabalho e Política: As origens do Partido dos Trabalhadores. Ed. Vozes. Petrópolis, 1988. 
[xiii] CARVALHO, C. Nota critica sobre a história do Partido dos Trabalhadores. In: Revistas Novos Rumos. V. I, n° 1, jan/março. 1986. 
[xiv] MENEGUELLO, Rachel. Pt: a FORMAÇÃO DE UM PARTIDO (1979 – 1982). Paz e Terra. São Paulo 1989 
[xv] CARVALHO, C. Nota critica sobre a história do Partido dos Trabalhadores. In: Revistas Novos Rumos. V. I, n° 1, jan/março. 1986. 
[xvi] CHACON. Vamireh. História dos Partidos Brasileiros. 3ª Ed. Editora da UnB. Brasília. 1998 
[xvii] Ibidem 
[xviii] ver depoimento publicado na matéria intitulada "Fundação legal do PT no Colégio Sion" 
[xix] CHACON. Vamireh. História dos Partidos Brasileiros. 3ª Ed. Editora da UnB. Brasília. 1998 
[xx] Ibidem 
[xxi] CARVALHO, C. Nota critica sobre a história do Partido dos Trabalhadores. In: Revistas Novos Rumos. V. I, n° 1, jan/março. 1986. 
[xxii] MENEGUELLO, Rachel. Pt: a FORMAÇÃO DE UM PARTIDO (1979 – 1982). Paz e Terra. São Paulo 1989 
[xxiii] CARVALHO, C. Nota critica sobre a história do Partido dos Trabalhadores. In: Revistas Novos Rumos. V. I, n° 1, jan/março. 1986. 
[xxiv] CHACON. Vamireh. História dos Partidos Brasileiros. 3ª Ed. Editora da UnB. Brasília. 1998 
[xxv] MENEGUELLO, Rachel. Pt: a FORMAÇÃO DE UM PARTIDO (1979 – 1982). Paz e Terra. São Paulo 1989 
[xxvi] CHACON. Vamireh. História dos Partidos Brasileiros. 3ª Ed. Editora da UnB. Brasília. 1998

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