Texto mandado pelo companheiro Carlos Sérgio (Carlão) de Brasília!
A
metropolização consiste, no processo socioespacial que melhor traduz o estágio
atual do desenvolvimento do planeta. No Brasil as questões associadas as
metrópoles são marcadas pelo modelo centro-periferia de expansão das cidades, segundo o qual a
maior parte da população moradora nas periferias distantes, não tem acesso a
cidade e a urbanização e as suas infraestruturas e seus equipamentos.
Esse
modelo foi tratado (Por Santos, 90), o crescimento por expansão horizontal e
não por adensamento associado a ocupação de áreas periféricas distantes e
ambientalmente frágeis, opões realidades completamente distintas entre os
centros dos municípios sede das Regiões metropolitanas e as periferias e os
demais municípios.
As metrópoles
contemporâneas são os maiores objetos culturais jamais construídos pelo homem.
Nas ultimas décadas, elas trabalham em compasso com o ritmo do mundo, na medida
em que a realidade da globalização se impõe sobre o processo secular de
internacionalização. Desse modo, essas metrópoles funcionam e evoluem segundo
parâmetros globais. Mas elas têm especificidades, que se devem à história do
país onde se encontram e à sua própria história local (SANTOS, 1990, p. 9).
A
metropolização não consiste, em um fenômeno, trata-se de um processo histórico
que expressa a estrutura, a forma e a dinâmica socioespacial e assume algumas
feições particulares na sociedade de consumo, especialmente em sua periferia.
Compreender a metropolização, é compreender um pouco mais do funcionamento e da
dinâmica do capitalismo, notadamente a partir da forma como nele se produz o
espaço social urbano.
As
transformações por que passa o capitalismo causam efeitos importantes sobre as
Regiões Metropolitanas: maior velocidade dos fluxos financeiros e de
mercadorias, em um mercado cada vez mais internacionalizado; reestruturação
produtiva da atividade industrial, que permite a fragmentação de sua produção;
e a dinâmica do setor de serviços, que se transforma e contribui, seja para a
velocidade dos fluxos financeiros e comerciais, seja para a reestruturação
produtiva. Estas transformações geram maiores incertezas quanto à localização
das atividades no território e, assim, reforçam a centralidade e o papel atual
das metrópoles no mundo.
A unicidade
da técnica (SANTOS, 1996), base material do capitalismo contemporâneo e da
globalização, permite que, pela primeira vez na história, o mundo seja
reconhecido em sua totalidade, alavancando infinitesimamente a importância dos
meios e dos lugares que concentram as possibilidades para que sejam feitas as
escolhas, tomadas e repercutidas as decisões das firmas, organizações e
pessoas. As metrópoles, as principais cidades do mundo, assumem então posição
de destaque na divisão internacional do trabalho.
Enquanto
tal, o processo de metropolização não pode ser traduzido somente a partir da
perspectiva das economias de escala associadas à urbanização em geral. Consiste
em processo cuja compreensão não se esgota nas análises e nas contribuições
teóricas de nenhum campo particular de investigação científica e de reflexão
crítica.
A
constituição e a ampliação das metrópoles configuram um processo vigoroso e
dinâmico, baseado na transformação e na construção de espaços urbanos que
trazem desafios ampliados para a sociedade e o Estado à medida que condensam um
amplo conjunto de demandas e desafios que expõe a lógica da gestão fragmentada
dos territórios. A lógica e a dinâmica da metropolização sobrepõem-se à
estrutura e à organização políticoadministrativa de planejamento e gestão do
território e trazem questões que não são apenas de uma escala ampliada, mas
também de um escopo alterado, na medida em que a metrópole é mais do que a soma
de suas partes.
Sendo
um processo histórico e social multifacetado, a metropolização demanda um
esforço de investigação e reflexão interdisciplinar. As metrópoles se definem
muito mais por suas dinâmicas do que por suas dimensões. Por exemplo Belém, é
composta por poucos municípios enquanto São Paulo e outras RM são constituídas
por grande quantidade de municípios. Parece haver um debate quanto à
importância dos critérios de grandeza e dimensão quando comparados aos
critérios que buscam abarcar as dinâmicas e as relações de interdependência existentes
em determinado território e os meios que viabilizam a integração de suas
diversas funções. Quanto a gestão do território, não é apresentado nenhum
instrumento que possa colaborar na superação dos impasses metropolitanos evidentes
que são a geratriz do caus na saúde, na segurança, na mobilidade, no
saneamento, etc.
Após
CF/88, teve inicio um fenômeno paralelo
ao processo socioespacial da metropolização, a saber, a metropolização
institucional, com a criação de RMs, a partir dos Estados. O Art. 21 da CF/88 estabelece
que compete a união “elaborar e executar planos nacionais e regionais de
ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”. Existe uma
tentativa de regulação pela proposição do PL no 3.640/2004 (Estatuto da Metrópole) que
propõe a uma regulamentação das unidades regionais urbanas, que organize a ação
dos entes federados nos territórios em que funções públicas de interesse comum
devam ser compartilhadas.
O PL 3.940
trata da continuidade da urbanização entre municípios e da dimensão
populacional destes. Mas quando o legislador parte dos fatos e da
realidade efetiva, geralmente a norma instituída tende a ser menos eivada de
erros e mais condizente com as necessidades do conjunto da sociedade, pois
deste modo, evita-se a criação de leis com base apenas em grupos de pressão e
deslocadas da realidade. Porem, é mais comum que gestor do aparelho estatal
estabelecem normas que não tem qualquer relação com a realidade para em seguida
fazer os necessários ajustes os quais em geral tornam-se verdadeiros imbróglios
de difícil desfecho, é o que se vê, por exemplo, com o conjunto de normas que
regem a gestão das Regiões Metropolitanas.
Atualmente sem critérios, ou normas legais, o governo federal aceita
qualquer definição feita pelos Estados, mais pouco se tem avançado
institucionalmente e gerencialmente na gestão dos territórios em regiões
metropolitana. A autonomia municipal expressa na CF/88, e o fato de haver um
elevado grau de liberdade para a construção dos desenhos institucionais na
gestão metropolitana, com pouca interferência do governo federal, condicionam a
cooperação dos entes federados em partilhar as competências da gestão
metropolitana das funções públicas de interesses comuns.
As
contradições entre a metropolização e a organização e estrutura político-administrativa do Estado foram ampliadas, no caso
brasileiro, pelo tipo de federalismo tridimensional existente. A gestão da
questão metropolitana, com todas suas ambivalências e paradoxos, passa a
depender, fundamentalmente, da cooperação de entes municipais pouco estimulados
ao estabelecimento de soluções cooperativas e pouco habituados a estas práticas
que, em tese, pretendem, em alguma medida, superar os condicionantes
político-partidários apontados por Rocha (2006).
Da
década de 1970 até meados dos anos 1980, quando houve a implantação das RMs a
partir do Estado central, seguiram uma política e um planejamento urbano
centralizado, tecnocrático e autoritário. As RMs criadas eram vistas como entes
estratégicos do projeto nacional, fortes investimentos foram feitos para a modernização
dos circuitos da produção comandados pelas metrópoles e os conflitos federativos
eram amainados pela simples inexistência de diálogo ou qualquer cooperação
entre municípios e esfera metropolitana. A política metropolitana era centralizada,
partindo das definições da União para o comando dos estados sobre o conjunto de
municípios.
Após a
CF/88, a instituição das RMs é marcada pela redemocratização do Estado, pela
descentralização política e pela autonomia municipal, críticas aos modelos
centrais e autoritários de política e planejamento urbano; pela transferência das
incumbências da política metropolitana aos estados; pela criação de diferentes
formatos institucionais para as RMs no país; e pela falta completa de meios e
recursos necessários para a efetiva implementação das RMs. Em suma, há um
esvaziamento institucional, político e financeiro dos órgãos metropolitanos, que
se soma ao acirramento dos conflitos de interesses entre municípios e entre municípios
e estado.
O
cenário formado nesses dois momentos distintos caracteriza a atualidade da
política metropolitana no Brasil. A fragilidade dos aspectos políticos,
financeiros e institucionais da gestão contribui para a inexistência de um
efetivo e necessário pacto político, social e territorial para a efetivação das
RMs.
O
maior ou ao menos o primeiro obstáculo a ser enfrentado é o de natureza
política, do ponto de vista do poder e da organização institucional. Afinal, a
criação e a gestão metropolitana, conforme o desenho constitucional de 1988,
são uma atribuição dos estados que adotaram critérios e modelos distintos para
todo o país, sendo que, na maior parte das RMs, a participação estatal está
assentada em estruturas “teóricas” de paridade, vinculadas a fundos
metropolitanos que não chegaram a existir, criados apenas no papel, ou que se
tornaram figuras frágeis e não utilizadas.
O
desenho que surge com a CF/88 de autonomia dos municípios e definição das RMs
como incumbência exclusiva dos estados revelou um paradoxal arranjo político
que, necessariamente, deve ser equacionado. Esse paradoxo está assentado em uma
ordem política incompleta, marcada pela gestão metropolitana esvaziada de efetivo
poder, autonomia e recursos; por incumbências concorrentes e compartilhadas que
ainda devem ser arranjadas entre os entes federados; e pela necessidade de se
instituir um marco legal e público que dê conta da associação entre os entes
federados.
Os
arranjos que necessariamente devem ser pensados para solucionar os problemas
apontados são da ordem da pactuação federativa do país. A gestão de serviços de
interesses comuns em territórios compartidos e o próprio planejamento e
produção desse território implicam tanto o respeito à autonomia de cada um dos
entes, quanto a partilha entre tais envolvidos de responsabilidades e,
sobretudo, de poder. Não há, até o momento, qualquer modelo desenhado no país
que consiga dar conta dessa dualidade.
O
estado lança mão de alguns instrumentos, como os consórcios públicos, para
implementar ações setoriais concertadas entre municípios e até mesmo entre
municípios e estado, sobretudo nas áreas de saneamento e de transportes e no
uso dos recursos hídricos.
Com
efeito, recentemente aprovada, a Lei dos Consórcios, que veio suprir uma lacuna
no que diz respeito à relação de cooperação entre entes governamentais
distintos, mesmo que não especificamente desenhada para a gestão metropolitana,
pode contribuir para a superação de alguns desafios que se colocam para a
gestão metropolitana no Brasil atual. Exemplos na gestão de algumas funções
públicas de interesse comum, notadamente na área da mobilidade,16 confirmam esta possibilidade, mas
algumas funções públicas de interesse comum não constituem objeto ideal destes
consórcios, sobretudo aquelas relativas ao planejamento integrado e à gestão do
uso do solo.
O
desafio aqui colocado é, pois, contribuir na definição de arranjos
institucionais e instrumentos de “concertação” e cooperação entre os entes
federados, possibilitando o efetivo planejamento e a gestão compartilhada de cidades
que ocupem o território de mais de um município.
Tal
meta tange à pactuação federativa ao ponto de questionar-se a necessidade de
estabelecimento de novos marcos de cooperação, conforme prevista a
regulamentação no Art. 23 da CF/88. Além disso, a participação popular em
instâncias regionais é algo inovador e que está em marcha rumo a um novo modelo
de gestão democrática.
Nesse
sentido, questões sobre a eficácia e a efetividade das experiências e dos
modelos de gestão metropolitana atualmente existentes no país e sobre o
controle social na gestão metropolitana mostram-se legítimas e confluem para um
amplo campo de investigação que passa pela própria avaliação da gestão das
funções públicas de interesse comum nas diversas tipologias de RMs atualmente
existentes no país.
Finalmente,
e não menos importante, cabe refletir sobre qual papel tem a União nesse
processo e qual, em face da situação apresentada, deveria assumir, inclusive no
que diz respeito ao eventual papel das RMs face à promoção/facilitação dos
processos de desenvolvimento regional/nacional.
A
esfera federal se distanciou da discussão metropolitana, ainda que continue, em
termos de investimentos em infraestrutura social e urbana, privilegiando esse
espaço. Melhor e mais precisamente falando: há um distanciamento da União da
gestão metropolitana, o que reflete tanto as condicionantes institucionais do
federalismo brasileiro quanto a dimensão política da questão.
Nesse
sentido, cabe salientar que a persistir a omissão do governo federal da questão
metropolitana, e a permanecerem as dificuldades e as tensões no campo das
relações intergovernamentais, é de se esperar o agravamento de alguns problemas
sociais, econômicos e ambientais existentes nas RMs e nas metrópoles
brasileiras, sobretudo aqueles decorrentes de uma gestão ineficaz das funções
públicas de interesse comum, afetando de forma negativa a vida do cidadão
metropolitano, ou seja, da maioria dos cidadãos brasileiros que vivem nas áreas
urbanas do país.
Referencias: Faces da Metropolização no Brasil – In:
Brasil 2010. Infraestrutura social e urbana no Brasil : subsídios para uma
agenda de pesquisa e formulação de políticas públicas / Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada. – Brasília : Ipea, 2010. v. 2 (912 p.): Estratégicos do
Desenvolvimento Brasileiro ; Infraestrutura Econômica, Social e Urbana ; Livro
6.
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