terça-feira, 18 de março de 2014

A Microfísica do Poder em Foucault

O TROPA DE ELITE, coloca uma abordagem sobre Foucault na fala de um dos personagens, justamente aquele que apresentará os ativistas de direitos humanos como conivente com a criminalidade.





No momento em que, a esquerda, aceita estigmatizar aqueles que preferem agir sem qualquer restrição ao seu desejo de vingança contra as elites, ainda quando esses de forma inconsequente acabem também agredindo o povo já bastante massacrado pelo sistema. Valeria a pena fazer um resumo sobre o pensamento de Michel Foucault nas análises sobre o poder nas organizações. 

Principalmente depois de um filme brasileiro ter servido como parte da construção da consciência coletiva favorável a uma criminalização dos movimentos sócias, e ao abuso da repressão contra o povo das periferias a ponto de justificar o assassinato de AMARILDO. 

Pois, Foucault apontou na sua obra "a questão é saber se essas regras são efetivamente postas a trabalhar pelo espírito humano, muito bem; se o historiador e o linguista podem meditar nelas, cada um por sua vez, muito bem; essas regras deveriam permitir-nos entender o que é dito ou pensado por esses indivíduos". 

Mas tenho dificuldade de aceitar que essas regularidades sejam ligadas ao espírito humano ou à sua natureza, como condições de existência: parece-me que se devem, antes de atingir esse ponto – de qualquer maneira, falo unicamente da compreensão -, recolocá-las no domínio das outras práticas humanas, econômicas, técnicas, políticas, sociológicas, que lhes servem de condições de formação, de aparecimento, de modelos. 

Eu me pergunto se o sistema de regularidade, de coação, que torna possível a ciência, não se encontra em outros lugares, fora inclusive do espírito humano, nas formas sociais, nas relações de produção, nas lutas de classe etc.

Para Foucault o capitalismo não teria sobrevivido se atuasse predominantemente de forma negativa e pela repressão. E em seus estudos genealógicos preocupa-se em entender o poder na sociedade ocidental. 

Ora, as mudanças econômicas do século XVIII tornaram necessário fazer circular os efeitos de poder, por canais cada vez mais sutis, chegando até os próprios indivíduos, seus corpos, seus gestos, cada um de seus desempenhos cotidianos. Que o poder, mesmo tendo uma multiplicidade de homem a gerir, seja, tão eficaz quanto se ele se exercesse sobre um só (Foucault, 1979).

Vale ressaltar que não existe em Foucault uma teoria geral sobre o poder. O filósofo desenvolve uma analíse sobre o poder e não uma teoria sobre o mesmo. 

Assim, Foucault não considera em suas análises “o poder como uma realidade que possua uma natureza, uma essência que ele procuraria definir por suas características universais. 

Não existe algo unitário e global chamado poder, mas unicamente formas díspares, heterogêneas, em constante transformação”. Mas, como se manifesta o poder para Foucault? 

Como o poder é exercido em nossa sociedade? 

Para o filósofo o poder não é um objeto, uma coisa ou uma propriedade de que alguns seriam possuidores em detrimento de outros, ou seja, não existe uma dualidade entre uma classe social que seria dominante e que, por sua vez, deteria o poder, e uma classe social dominada. 

O poder para o autor é uma prática social constituída historicamente. Assim, o poder não é algo que possa ser possuído, mas sim exercido e todo sujeito encontra-se na possibilidade de exercê-lo. 

Sendo o poder algo que se exerce, o poder não é um objeto, uma coisa, mas uma relação. Desta forma, Foucault, inversamente a ciência política, não limita o Estado como sendo algo fundamental para os seus estudos sobre o poder.

Ou seja, o autor observa que não existe uma sinonímia entre Estado e poder, evidenciando que existem formas de exercício do poder diferentes da forma Estado, formas essas que se articulam ao Estado de diversas maneiras, sendo, inclusive, indispensáveis para a sustentação e atuação eficaz do mesmo. 

“o poder como microfísico elucidado por, Foucault (1987) é a constituição do poder como sendo microfísico. Desta forma, o poder não possui uma fonte, uma verdade ou uma origem em qualquer lugar, como por exemplo, no Estado. 

O poder circula por toda a sociedade de forma sutil e anônima atingindo a realidade mais concreta dos indivíduos que é seu próprio corpo. 

Assim, o poder situa-se “ao nível do próprio corpo social, e não acima dele, penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como micro-poder ou sub-poder” 

Foucault acredita que os poderes periféricos e moleculares, que são constituídos por diversas práticas sociais não foram confiscados, nem absorvidos e criados pelos aparelhos de Estado. 

Portanto, para Foucault o poder é um exercício social e seu exercício ocorre em níveis variados e em pontos diferentes da rede social, atuando de forma integrada ou não ao Estado. 

Foucault desenvolve uma concepção não jurídica de poder, pois, para o autor, o poder não pode ser tratado como um fenômeno que fala e está fundamentado apenas na lei ou que se manifeste somente pela repressão. 

Quer dizer, Foucault se contrapõe a concepção negativa de que considera o poder exercido pelo Estado “essencialmente como aparelho repressivo, no sentido em que seu modo básico de intervenção sobre os cidadãos se daria em forma de violência, coerção, opressão”.

Desta forma, o filósofo mostra que as relações de poder não ocorrem fundamentalmente ao nível do direito, nem da violência, ou seja, o poder não é algo contratual nem unicamente repressivo. 

Deste modo, Foucault acredita que o poder não pode ser definido unicamente como algo que nega, impõe limites ou castiga, pelo contrário, o poder atua de uma forma muito mais positiva do que negativa, ou seja, o poder quer produzir formas de vida, quer constituir o homem. 

Não se explica inteiramente o poder quando se procura caracterizá-lo por sua função repressiva. O que lhe interessa basicamente não é expulsar os homens da vida social, impedir o exercício de suas atividades, e sim gerir a vida dos homens, controlá-los em suas ações para que seja possível e viável utilizá-los ao máximo, aproveitando suas potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiçoamento gradual e contínuo de suas capacidades (Foucault, 1979). 

Para tanto, o poder deve ser exercido o mais possível anonimamente e sofrido individualmente, para assim, diminuir-se as resistências ao seu exercício.

O filósofo acredita que não exista algo unitário denominado poder, mas sim relações de poder, pois toda relação impõe a existência e convivência constante entre poder e resistência.

Entretanto, a idéia de resistência em Foucault não tem a mesma concepção de contra-poder. Assim, a resistência não se caracteriza como sendo uma estratégia elaborada para tirar o poder do grupo dominante, ou seja, como sendo uma estratégia com o intuito de minar o poder estabelecido para tomar o seu lugar. 

Em Foucault não existe na resistência a intenção de tornar-se a força dominante. Se a resistência passa a elaborar estratégias para marcar sua oposição ao poder instituído e assim dominá-lo, deixa de ser em Foucault resistência, passando a ser poder. 

Portanto, Foucault não trabalha com a idéia de que exista uma estrutura binária de poder caracterizada por uma relação entre classe dominante e classe dominada, pois todas as classes sociais são submetidas às relações de poder e sofrem os efeitos desta relação, não sendo o exercício do poder algo que aconteça em uma só direção, ou seja, o poder não é um fluxo que parte dos dominantes para os dominados, pois onde há poder há resistência. 

Assim, o filósofo não acredita na existência de uma relação dual de poder, mas enfatiza a existência de uma luta constante e silenciosa entre poder e resistência. 

Deste modo, o entrecruzamento do poder  "...delineia fatos gerais de dominação, que esta dominação se organiza em estratégia mais ou menos coerente e unitária; que os procedimentos dispersados, heteromorfos e locais do poder são reajustados, reforçados, transformados por essas estratégias globais, e tudo isso com numerosos fenômenos de inércia, de intervalos, de resistências; que não se deve, portanto, pensar um fato primeiro e maciço de dominação (uma estrutura binária com, de um lado, os ´dominantes` e, de outro, os ´dominados`), mas, antes, uma produção multiforme de relações de dominação, que são parcialmente integráveis a estratégias de conjunto ..." (Foucault). 

O que Foucault quer demonstrar, é que não são as estruturas sociais que determinam as relações de poder, mas são micro relações de poder, que passam despercebidas aos nossos olhos, é que acabam constituindo estruturas sociais. 

Conforme Foucault salienta, o poder não atua em um único lugar, mas em múltiplos locais, tais como: a família, a sexualidade, “a maneira como se trata os loucos, a exclusão dos homossexuais, as relações entre os homens e as mulheres... todas essas relações são relações políticas. Só podemos mudar a sociedade sob a condição de mudar essas relações”. 

As pesquisas de Foucault não se limitam em procurar as condições de possibilidades históricas que seriam provocadas pelas relações de produção.

Assim, a infra-estrutura material, ou seja, o econômico, não é a base e nem determina o social. Desta forma, as práticas sociais não são apenas um fenômeno produzido somente pela economia, não situando a consciência dos homens como reflexo e expressão das condições econômicas. 

Contudo, as práticas sociais são peças de um dispositivo político que, enquanto dispositivo, articula-se com a estrutura econômica.

O que Foucault pretende com sua pesquisa é evitar o economicismo nos estudos sobre poder, problematizando a crença de que todas as relações de poder passam e se originam no econômico.

Portanto, Foucault nega a idéia de que o poder teria essencialmente como papel manter relações de produção e reproduzir uma dominação de classe por meio do desenvolvimento de uma modalidade própria de apropriação das forças produtivas.

O que o pesquisador tenta é escapar de um esquema economicista para se analisar o poder, não baseando os seus estudos sobre o poder na crença marxista de base em que a infra-estrutura condiciona a superestrutura social.

Entretanto, o filósofo não descarta a possibilidade das relações de poder servirem a um determinado interesse econômico. 

Contudo, isto não ocorreria porque o poder esteja a serviço de um interesse econômico dado, considerado como sendo algo primitivo e condição primeira, mas devido ser utilizado em qualquer estratégia, seja a estratégia econômica ou não. 

Com relação à concepção de o que seria ciência e ideologia, Foucault não faz uma distinção entre ciência e ideologia com o intuito de neutralizar a idéia que torna a ciência um conhecimento que permite o sujeito vencer as suas limitações particulares de existência, instalando-se em um campo neutro, enquanto a ideologia seria um conhecimento em que o sujeito tem uma relação com a verdade de forma perturbada, obscurecida e limitada por condições de existência. 

Assim, para Foucault “todo conhecimento, seja ele científico ou ideológico, só pode existir a partir de condições políticas que são as condições para que se formem tanto o sujeito quanto os domínios de saber. (...) Não há saber neutro. Todo saber é político”. 

Desta forma, para Foucault o homem não precisa ser conscientizado para descobrir a verdade sobre a sua realidade social. Não cabe ao “intelectual” desempenhar o papel daquele que dá conselhos para fazer com que os homens enxerguem aquilo que são incapazes de verem sozinhos. 

Para Foucault cabe aos sujeitos encontrar, por si próprios, o projeto, as táticas e os alvos que necessitam. Neste contexto, o que o intelectual pode fazer é fornecer instrumentos de análise para tal intento. “Ora, o que esses intelectuais descobriram depois da recente arremetida é que as massas não necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muitíssimo bem”.

Foucault também demonstra que o poder para ser eficaz atua de uma forma muito mais positiva do que negativa, ou seja, o poder não quer somente negar e proibir, mas produzir formas de vida, produzir corpos dóceis e úteis para a sociedade. 

Para o autor o poder não pode ser explicado somente caracterizando-o como tendo uma função repressiva. O poder não quer impedir que os homens exercitem suas atividades, mas sim gerir as atividades dos homens. 

Foucault não considera fundamental e necessário a ocupação do Estado, o que Foucault considera como fundamental é a mudança das práticas sociais, pois são estas práticas que constituem o próprio Estado e não o inverso.

Foucault salienta que na medida que as instituições agem essencialmente através da colocação de dois elementos em jogo: regras (explícitas ou silenciosas) e um aparelho, corremos o risco de privilegiar exageradamente um ou outro na relação de poder ... Não se trata de negar a importância das instituições na organização das relações de poder.

Mas cabe sugerir que é necessário, antes, analisar as instituições a partir das relações de poder, e não o inverso; e que o ponto de apoio fundamental destas, mesmo que elas se incorporem e se cristalizem numa instituição, deve ser buscado aquém. 

Desta forma, Foucault não entende o poder como se manifestando somente pelos efeitos de dominação que estão relacionados a existência de um Estado e ao funcionamento dos Aparelhos de Estado, não localizando apenas nos Aparelhos de Estado o poder.

Assim, existem relações de poder entre um “homem e uma mulher, entre aquele que sabe e aquele que não sabe, entre os pais e as crianças, na família. 

Na sociedade há milhares e milhares de relações de poder e, por conseguinte, relações de forças de pequenos enfrentamentos, microlutas, de algum modo”. 

Sendo assim, Foucault não faz do poder uma concepção jurídica, ou seja, o filósofo não crê que o jurídico seja fonte de poder em nossa sociedade. 

Para Foucaultos pensadores quando falam de poder basearam-se muito na história dos reis e generais, posteriormente estas histórias foram substituídas pela história das infra-estruturas econômicas, e a estas se opôs à história das instituições, ou seja, o que se considera como superestrutura em relação à economia. 

Porém, para Foucault o “poder em suas estratégias a um só tempo gerais e finas, em seus mecanismos, nunca foi muito estudado”.

O rompimento de Foucault, com o partido comunista francês, tem sido utilizado e interpretado, como sendo uma mudança de direção do filósofo. 

Mudança esta que marcaria a incompatibilidade de qualquer diálogo entre a filosofia foucaultiana e o marxismo. Fato este que tem colaborado com a ideia de que é impossível qualquer diálogo entre o pensamento foucaultiano e o marxismo. 

Contudo, o que Foucault parece contestar são determinadas práticas estalinistas, principalmente práticas sindicais que o filósofo considera como práticas que reproduzem e naturalizam as relações capitalistas. 

Uma das maiores decepções que o partido comunista e a União Soviética nos causaram provém do fato de que eles retomaram por sua conta, em sua quase-totalidade, o sistema de valores da burguesia. ... O partido comunista aceita e perpetua a maioria dos valores burgueses (na arte, na família, na sexualidade, na vida cotidiana, em geral). O mesmo podemos dizer dos partidos de esquerda no Brasil de hoje.

Foucault pontua, que devemos nos liberar desse conservadorismo cultural, tal como devemos nos liberar do conservantismo político. Devemos desmascarar nossos rituais e fazê-los aparecer como são: coisas puramente arbitrárias, ligadas ao nosso modo de vida burguês. Desta forma, ao trazer para a análise política a dimensão dos micropoderes, Foucault não teve a intenção de diminuir a importância e eficácia do poder exercido pelo Estado. 

Contudo, o filósofo acredita que, ao se insistir de forma exagerada sobre o papel do Estado e conseqüentemente de seus Aparelhos, arrisca-se a deixar escapar todos os mecanismos e efeitos de poder que não passam diretamente pelo aparelho de Estado, pois são esses mecanismos que com freqüência sustentam, reconduzem e dão o máximo de eficácia aos Aparelhos de Estado, sejam eles repressivos ou positivos.

Para Foucault, não se pode compreender o desenvolvimento das forças produtivas, a não ser que se considere, seja na indústria, no escritório e na sociedade, vários tipos de relações de poder. 

Assim, o corpo humano passa a ser uma força de produção, existindo no interior e através de um sistema político. Desta forma, para Foucault o trabalho não é a essência do homem, pois, se o homem trabalha e o corpo humano é uma força produtiva, isto ocorre devido o homem ser investido por forças políticas e ser capturado pelos mecanismos de poder. 

Deste modo, a idéia de que o trabalho é a essência do homem contida no pensamento marxista é para Foucault puro hegelianismo. “Marx pensava – e ele o escreveu – que o trabalho constitui a essência concreta do homem. Penso que essa é uma ideia tipicamente hegeliana”.

Da mesma forma, Foucault acredita que a dialética também é uma idéia baseada no esquema hegeliano de tese e antítese, que analisa os fenômenos por meio das contradições existentes. 

Contudo, não trabalha com contradições, mas com reciprocidades. Assim, para o filósofo, a “luta, os processos antagonistas não constituem, tal como o ponto de vista dialético pressupõe, uma contradição no sentido lógico do termo. 

Não há dialética na natureza”. Portanto, se existem processos como a luta, o combate e os mecanismos antagonistas é porque esses processos ocorrem na realidade. 

Entretanto, para Foucault isto não constitui estes processos como dialéticos ou contraditórios, mas sim como recíprocos. Estes antagonismos não têm para o filósofo nenhuma relação dialética.

Para Foucault “a lógica dialética é verdadeiramente muito pobre – de um uso fácil, mas verdadeiramente pobre – para quem almeja formular, em termos precisos, significações, descrições e análises dos processos de poder”.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 1979. Rio de Janeiro, Edições Graal.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 1987. Petrópolis, Vozes.



Brasília, 18 de março de 2014

Carlos Sérgio Silva da Silva (Ex-dirigente do antigo grupamento do PT, Convergência Socialista, Participou ativamente do Movimento Estudantil e da Luta pela Meia Passagem na década de 80 em Belém, foi estudante da ficava, ex-diretor do Sindicato dos Correios no Pará, foi demitido por perseguição política, e ainda não foi anistiado, mesmo sendo um dos beneficiados pela lei de Anistia, prossegue sua luta!)

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